Palavras que ficaram velhas
Quizás, quizás, quizás!
Na festa de casamento de Marina, que reuniu mais de seis mil
pessoas numa praça antiga, os músicos entoavam o sucesso do cubano Osvaldo
Farrés do final dos anos 40. Já era fim da década de oitenta, mas o repertório
foi basicamente Anos dourados,
seresta e reminiscência... Estava na moda para festas de casamento. E no que se
refere às letras, a palavra segue moda? Ora, embora a boa palavra seja eterna e
irrecorrível, há os tais modismos linguísticos que vão tirando e (re)alocando
vocábulos e significados.
A palavra quiçá (= talvez e outros sentidos que o valham) – assim como o título da música que abre este texto – virou coisa antiga, como muitas
outros termos e locuções, que parecem ir esmaecendo com o passar do
tempo...
Está certo que a língua não é estática – e nem poderia mesmo.
Embora (aqui se destaque) eu não concorde com muitas variações linguísticas de
época e contexto. Dessas que poderiam ser chamadas de danosas... Isso: mais
uma! Danosa também virou palavra
velha, um adjetivo que – embora mostre muito bem o que quer dizer – ficou com
cara de prata antiga... Tem mesmo; fazer o quê?
E me vêm à mente vários outros vocábulos que pareceram criar
cabelos brancos em passo concomitante (mais uma! As pessoas preferem usar simultâneo (a)] com o tempo...
E assim é que várias palavras vão entrando na tal arca do arcaísmo! Arcadismo, não (este alude à escola literária das arcádias,
neoclassicista, a tal dos pastores, da lira, daquele clima bucólico... Lembra-se?).
No andar da carruagem, então, desfilam termos como:
– mocidade: Isso é
que é uma palavra velha, não é, não? E justamente
designando o contrário! A forma, o som e a emanação desta palavra dão ideia de
algo ultrapassado, alguma coisa que não se usa mais! De fato, ninguém diz mais
mocidade – nem juventude, na verdade! Juventude também se tornou palavra velha,
de tanto não se ouvir dizer... O problema é que não há, praticamente, termo da
chamada língua culta que tenha o seu exato significado... Mas problema ainda
maior se baseia em uma das prováveis causas disso: por causa de gírias como galera, geral [significando
grupo/categoria e (semântica)similar, no caso podendo abranger grupo de jovens,
turma/trupe)] se abriu um vácuo nessa semântica... Hoje se ouve falar muito em
adolescência, mas claro está que não se trata da mesma coisa, já que as duas
designações de períodos da vida abrangem etapas diferentes, diversas mesmo.
Ficou uma lacuna para a tal fase jovem, cujo sentido também se mostra hoje algo
passadista, pois certo desequilíbrio
há que anda até descaracterizando as belezas da fase... Vamos ao proposto:
– conforme: Aí está
uma ferramenta vocabular tremendamente multigramatical... Hã??? Isso mesmo: o
termo se enquadra nas mais diversas classes gramaticais; conforme – conforme a situação – pode ser: preposição,
conjunção, adjetivo, advérbio... Exemplos: conforme
versão anunciada; conforme me
disseram (neste caso, também com o sentido de segundo (me disseram); roupas conformes
(= iguais, concordantes (olha
outra! Aqui como adjetivo, e em variação de número); e ainda pode
expressar: conforme as coisas iam
acontecendo... Enfim, um universo de conformes. Até acho o termo muito útil
(como não?). Porém, mesmo com tamanha versatilidade, a palavra foi saindo do
dicionário do atual e virou peça de museu grafológico. Quer ver uma coisa? Você
imagina um adolescente falando conforme a
velocidade... Não! Ele vai dizer: de acordo com a velocidade; à medida que a velocidade aumentava...
Lamento (e até simpatizo com o termo – e o utilizo), mas é fato que a palavra
ficou meio velha.
– fotocópia: hoje,
linguistas das mais diversas correntes admitem tanto a ortoepia xer(ó)x (com
força tônica no o) como x(é)rox (assinalação tônica no e). Mas sabemos que não
era o correto em anteriores práticas cultas. Assim, eu optava por chegar numa
papelaria e dizer: “Por favor, três fotocópias deste documento”. Explico-me: se
eu falasse xer(ó)x, achavam que eu estava falando errado (sabe esses ignaros,
que muito desconhecem, e – quando não entendem algo mais apurado, digamos mais
sofisticado à sua sensibilidade cognitiva, saem por aí a apregoar verdades falsas por pura falta de
entendimento do fato [dois dias depois, lá estão eles cometendo o tal pecado (e
este é mesmo!) em circunstâncias notórias
e vexatórias]... Mas esse não é o
enfoque; voltemos ao caso da xerox... Então... e se eu pronunciasse x(é)rox era
eu mesma a incomodada, pois me sentia como se estivesse falando Nóbel... Deus me livre! O recurso
restante era o termo fotocópia, que usei, mas – após algum tempo – percebi que parecia vir com cabelos brancos (Gente, nada contra cabelos brancos
propriamente!)...
– ceroula: esse
parece termo de farsa, chanchada ou circo, certo? Cueca grande fora de época...
Ahahahah!
– pândego: dito
assim, o adjetivo fica mais hilário que sua mais forte semântica de engraçado,
simplesmente;
– formidável: ótimo,
magnífico, excelente, adorável, perfeito, impressionante (também quando em referência irônica)... Realmente se torna melhor
usar umas dessas variantes sinônimas. Até gosto da palavra formidável, mas parece estar envolvida, mesmo, em ares de sépia!...
– camarada: já esta
palavra ficou tão antiga que, ao ser entonada, parece que já vem chegando um
cara de outros tempos (risos dos anos dourados), como se tal som o trouxesse! Ahahah! A sensação conotativa procede
com base: foi mesmo modismo linguístico de geração da metade do século XX,
designando colega, companheiro de regimento etc. Na esteira do termo e da época,
estão termos como supimpa e broto, gírias que também
envelheceram... O termo broto,
especialmente, não acompanhou o ritmo lépido do tempo! O broto ficou maduro.
Observei aqui (acima) que, no contexto – além dos seis
exemplos-padrão que ofereci –, destaquei en
passant sete outros, e chegaremos abaixo a quase vinte referências
vocabulares de expressões lexicais antigas nessa crônica
reflexivo-gramatical... Outrossim, não
vou cometer aqui a pachorra do continuísmo, deveras... Não serei
pirrônica ou gananciosa a ponto
de acumular preciosismos nos alforjes
de viagem para essa estação linguística...
Ou...
A mulher do alcaide fitou-o com ferocidade por causa dos
olhares que ele lançou à sirigaita de
saia evasê. Pensou com os seus botões que ele era mesmo da fuzarca! Ele entendeu na hora e abaixou a cabeça, já esperando o safanão que ganharia por causa da “lambisgoia cheia de borogodó”... E ela não parou por aí: deixou-o de ceroula enquanto gritava: "Mas és mesmo um formidável pândego!"...
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