sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Palavras que ficaram velhas



Quizás, quizás, quizás!

Na festa de casamento de Marina, que reuniu mais de seis mil pessoas numa praça antiga, os músicos entoavam o sucesso do cubano Osvaldo Farrés do final dos anos 40. Já era fim da década de oitenta, mas o repertório foi basicamente Anos dourados, seresta e reminiscência... Estava na moda para festas de casamento. E no que se refere às letras, a palavra segue moda? Ora, embora a boa palavra seja eterna e irrecorrível, há os tais modismos linguísticos que vão tirando e (re)alocando vocábulos e significados.

A palavra quiçá (= talvez e outros sentidos que o valham) – assim como o título da música que abre este texto – virou coisa antiga, como muitas outros termos e locuções, que parecem ir esmaecendo com o passar do tempo...

Está certo que a língua não é estática – e nem poderia mesmo. Embora (aqui se destaque) eu não concorde com muitas variações linguísticas de época e contexto. Dessas que poderiam ser chamadas de danosas... Isso: mais uma! Danosa também virou palavra velha, um adjetivo que – embora mostre muito bem o que quer dizer – ficou com cara de prata antiga... Tem mesmo; fazer o quê?
E me vêm à mente vários outros vocábulos que pareceram criar cabelos brancos em passo concomitante (mais uma! As pessoas preferem usar simultâneo (a)] com o tempo...

E assim é que várias palavras vão entrando na tal arca do arcaísmo! Arcadismo, não (este alude à escola literária das arcádias, neoclassicista, a tal dos pastores, da lira, daquele clima bucólico... Lembra-se?). 

No andar da carruagem, então, desfilam termos como:

mocidade: Isso é que é uma palavra velha, não é, não? E justamente designando o contrário! A forma, o som e a emanação desta palavra dão ideia de algo ultrapassado, alguma coisa que não se usa mais! De fato, ninguém diz mais mocidade – nem juventude, na verdade! Juventude também se tornou palavra velha, de tanto não se ouvir dizer... O problema é que não há, praticamente, termo da chamada língua culta que tenha o seu exato significado... Mas problema ainda maior se baseia em uma das prováveis causas disso: por causa de gírias como galera, geral [significando grupo/categoria e (semântica)similar, no caso podendo abranger grupo de jovens, turma/trupe)] se abriu um vácuo nessa semântica... Hoje se ouve falar muito em adolescência, mas claro está que não se trata da mesma coisa, já que as duas designações de períodos da vida abrangem etapas diferentes, diversas mesmo. Ficou uma lacuna para a tal fase jovem, cujo sentido também se mostra hoje algo passadista, pois certo desequilíbrio há que anda até descaracterizando as belezas da fase... Vamos ao proposto:

conforme: Aí está uma ferramenta vocabular tremendamente multigramatical... Hã??? Isso mesmo: o termo se enquadra nas mais diversas classes gramaticais; conforme – conforme a situação – pode ser: preposição, conjunção, adjetivo, advérbio... Exemplos: conforme versão anunciada; conforme me disseram (neste caso, também com o sentido de segundo (me disseram); roupas conformes (= iguais, concordantes (olha outra! Aqui como adjetivo, e em variação de número); e ainda pode expressar: conforme as coisas iam acontecendo... Enfim, um universo de conformes. Até acho o termo muito útil (como não?). Porém, mesmo com tamanha versatilidade, a palavra foi saindo do dicionário do atual e virou peça de museu grafológico. Quer ver uma coisa? Você imagina um adolescente falando conforme a velocidade... Não! Ele vai dizer: de acordo com a velocidade; à medida que a velocidade aumentava... Lamento (e até simpatizo com o termo – e o utilizo), mas é fato que a palavra ficou meio velha.

fotocópia: hoje, linguistas das mais diversas correntes admitem tanto a ortoepia xer(ó)x (com força tônica no o) como x(é)rox (assinalação tônica no e). Mas sabemos que não era o correto em anteriores práticas cultas. Assim, eu optava por chegar numa papelaria e dizer: “Por favor, três fotocópias deste documento”. Explico-me: se eu falasse xer(ó)x, achavam que eu estava falando errado (sabe esses ignaros, que muito desconhecem, e – quando não entendem algo mais apurado, digamos mais sofisticado à sua sensibilidade cognitiva, saem por aí a apregoar verdades falsas por pura falta de entendimento do fato [dois dias depois, lá estão eles cometendo o tal pecado (e este é mesmo!) em circunstâncias notórias e vexatórias]... Mas esse não é o enfoque; voltemos ao caso da xerox... Então... e se eu pronunciasse x(é)rox era eu mesma a incomodada, pois me sentia como se estivesse falando Nóbel... Deus me livre! O recurso restante era o termo fotocópia, que usei, mas – após algum tempo – percebi que parecia vir com cabelos brancos (Gente, nada contra cabelos brancos propriamente!)...

ceroula: esse parece termo de farsa, chanchada ou circo, certo? Cueca grande fora de época... Ahahahah!

pândego: dito assim, o adjetivo fica mais hilário que sua mais forte semântica de engraçado, simplesmente;

formidável: ótimo, magnífico, excelente, adorável, perfeito, impressionante (também quando em referência irônica)... Realmente se torna melhor usar umas dessas variantes sinônimas. Até gosto da palavra formidável, mas parece estar envolvida, mesmo, em ares de sépia!...

camarada: já esta palavra ficou tão antiga que, ao ser entonada, parece que já vem chegando um cara de outros tempos (risos dos anos dourados), como se tal som o trouxesse! Ahahah! A sensação conotativa procede com base: foi mesmo modismo linguístico de geração da metade do século XX, designando colega, companheiro de regimento etc. Na esteira do termo e da época, estão termos como supimpa e broto, gírias que também envelheceram... O termo broto, especialmente, não acompanhou o ritmo lépido do tempo! O broto ficou maduro.

Observei aqui (acima) que, no contexto – além dos seis exemplos-padrão que ofereci –, destaquei en passant sete outros, e chegaremos abaixo a quase vinte referências vocabulares de expressões lexicais antigas nessa crônica reflexivo-gramatical... Outrossim, não vou cometer aqui a pachorra do continuísmo, deveras... Não serei pirrônica ou gananciosa a ponto de acumular preciosismos nos alforjes de viagem para essa estação linguística...

Ou...

A mulher do alcaide fitou-o com ferocidade por causa dos olhares que ele lançou à sirigaita de saia evasê. Pensou com os seus botões que ele era mesmo da fuzarca! Ele entendeu na hora e abaixou a cabeça, já esperando o safanão que ganharia por causa da “lambisgoia cheia de borogodó”... E ela não parou por aí: deixou-o de ceroula enquanto gritava: "Mas és mesmo um formidável pândego!"...

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