Ai, ai.... que Marina e Louise não param de aprontar em Paris! Bom, na verdade quem apronta mesmo é a irmã mais velha, pois ironicamente neste caso a caçula é a própria flor da sensatez!
E detalho: já no dia de voltar para casa, depois de esfuziantes dezesseis dias a flanarem pela capital francesa, as meninas passaram por uma aventura – com voz do céu e tudo! – digna de pintar os matizes da melhor (cotidiana) lenda europeia urbana! Não duvide!
O fato foi que Marina resolveu ir àquele mercado do shopping vizinho ao hotel só para satisfazer um de seus desejos de guloseimas: aquela torta de framboesa (pareceu-lhe que seria melhor até que a da boulangerie Paul)! Teima que teima, e Louise como sempre cedeu aos adoráveis caprichos de Marina-irmã-mais-velha-menina:
– Tá boomm... Quem pode com você, Marina? Mas hoje não é dia. E se perdermos o voo? Temos que estar no Brasil amanhã, impreterivelmente! E isso vale para nós duas, lembra?
Ok, ok, assentiu Marina com lábio retorcido à maturíssima rabugice de Louise:
– Você está certa, Louise, mas... vaaamos!
E lá se foram as duas. Desembocando direto da porta do grande hotel para o buraco do metrô ultrapróximo, aconchegaram-se em seus casacos, a se protegerem do vento soprando gélido... Duas estações... e lá estavam elas dentro do shopping megamoderno e colorido. Marina insistiu em suas incisivas mais que diretas, naquele seu jeito de querer (e conseguir) convencer a outra de qualquer jeito:
– Ah, Louise, deixe de ser estressadinha! Olha só: poucos itens a gente pode passar no caixa automático... Puxa, já pensou se tivéssemos desses caixas no Brasil? Só colocar o cartão e efetuar a compra, pegar a notinha... com a mesma rapidez com que a gente pega dinheiro nos nossos caixas eletrônicos? Não é?... Sem fila!
Louise só arregalou aqueles olhos, às vezes impenetráveis, e balançou o rosto em sinal de negativa.
Mas o problema estava por vir: a eterna e rizomática criatividade de Marina... Como uma cebola, sabe? Uma casca de ideia dentro da outra! Coisas geniais e interessantíssimas, se não gastassem, além de euros, t-e-m-p-o... e num dia em que este não apresentava um de seus melhores humores!
E foi assim que Marina, além da torta de framboesa, resolveu comprar malas (comprou uma pink para Louise, a fim de "amaciá-la" e aliciá-la em suas vontades), vaquinhas malhadas de chocolate, docinhos Chapéu-Napoleão, velas francesas de aniversário, itens de maquiagem, uma cafeteira para Haydée e um pote gigante de Nutella! Louise não resistiu e entrou em crise de riso:
– Não acredito que você está levando isso! Vai comer antes, no aeroporto, ou vai brindar com mimos os alfandegários sortudos? Presentes comprados em euro para estranhos! Tem certeza?
– Ai, Louise, você não tem jeito! Tudo é absolutamente necessário! Quanto aos comestíveis, não se lembra de que nosso primo Paulo passou ileso, ileso, com um autêntico carregamento de queijos na sua última viagem à Holanda?
Tudo bem. Mas o pior ainda estava por vir, de verdade.
As duas enfiaram-se no túnel do metrô correndo e, em poucos minutos, já estavam de volta ao hotel. Ao chegarem, a prevenidíssima Louise perguntou ao recepcionista sobre o tempo de espera do táxi que as levaria ao aeroporto. E qual não foi o seu estado de desespero quando o francês lhe informou que não havia chamado nenhum táxi, pois não registrara tal pedido seu...
Louise, como de costume, entrou facilmente em pânico (desnecessário como sempre, diria Marina) e voltou-se contra a irmã:
– Viu no que deu a sua voltinha de aquisições supérfluas no supermercado parisiense de shopping?
A moça bonita botava fogo pelas ventas... E Marina – em sua calma otimista de pisciana de segundo decanato – mostrou a leveza de sempre:
– Calma, menina, o táxi já chega! E não precisamos estar lá três horas antes, como você sempre faz questão. Duas horas de antecedência garantem o voo!
Mas Louise ameaçou chorar (não podia se atrasar nem um dia) e, aí, Marina prometeu providência:
– Fica tranquila, lindinha, que a mana já volta com um táxi pra você!
Nisso, o recepcionista fez um meneio negativo de cabeça e, antipático como sempre (ou espartano, sei lá), informou que em Paris não se pega táxi na rua: a prefeitura não permitia! Só no ponto. E não tinha nenhum perto dali! Foi aí que Louise se lembrou da tal lei da cidade... Só que naquela viagem ela estava com Marina, e, com a sorte que esta tem, em seu tour pela capital francesa pegou táxi umas três vezes fora do ponto. Mas agora havia um choque de realidade: seria impossível conseguir um, assim tão bruscamente!
A moça sensata teve momentânea certeza de próximo voo perdido... Mas Marina se faz de rogada alguma vez ou acredita no infortúnio por mais de três minutos?
– Senta aí que daqui a pouco volto com o táxi mesmo assim!
Não adiantava o recepcionista dizer que o táxi que ele acabara de pedir era de uma eficiente companhia cadastrada no hotel... As meninas acharam que seria como no Brasil: poderia chegar em 40 minutos ou, mesmo, não chegar!
E Louise aumentando sua gradação de desespero:
– Vai pegar um táxi na rua em Paris como?... Se eles não param para passageiro fora do ponto... E usando esse seu Francês turístico?!...
Marina não se dá por vencida:
– Senta e me espera, menina, que falando Português, Inglês, Francês ou um Mandarim baixado de alguma entidade oriental, certo é que voltarei com um táxi pra gente! E outra: você se esqueceu de nossas recentes aventuras na Île-de-France? Foi em ponto que parou pra gente aquela taxista, naquele tremendo Mercedes?
Louise caiu em si, lembrando-se de que estava com Marina… e isso podia significar muita coisa, como sorte, mudança de ventos e… o inimaginável! E realmente foi inesquecível pegar táxi em Paris naquele automóvel ultraluxo tendo ao volante aquela taxista nigeriana chiquérrima, trajando um tailleur risca-de-giz Versace com direito a lencinho vermelho de seda no pescoço!
Marina, por sua vez – na saída do hotel – ao atravessar a grande porta, soltou um Português plural de segunda pessoa aos Céus, olhando para cima e tudo:
– Meu Deus, mandai-me um táxi!
E saiu em seu passo apertado de botas de couro cor de areia. Caminha que caminha, e Marina movimenta a ampulheta daquela meia-hora disponível... Acredite quem puder – e for esperto –, mas não mais que nove minutos depois chega Marina, já dentro do táxi – no banco do carona – toda prosa, já amiga do velhinho bonachão (risos inacreditáveis)!
Louise se divide entre um riso de nervosa alegria e olhos saltados de perplexidade:
– Não acredito no que estou vendo! Como você conseguiu?
– Ah, foi simples... bem óbvio mesmo: apelei para o lado paternal dele... Perguntei se tinha uma filha, ele disse que tem duas, e nos comparei a elas: Já pensou se fossem suas duas filhas em terra estranha? Ele até contra-argumentou que poderia levar uma grande multa, mas o convenci com olhos marejados...
Louise entendeu que, como quase todo cidadão parisiense, o taxista falava Inglês. Porque se fosse em Francês como consumar aquela comunicação toda? Mas ainda havia uma dúvida:
– E como conseguiu pará-lo na rua? – Louise ainda não acreditava.
E Marina, com a mais natural expressão do mundo no rosto:
– Ah, dei uma de louca, comecei a gritar e, também como louca, meio que me joguei na frente do carro... Estava em baixa velocidade e vi que não tinha perigo.
– Ah, você deu uma de louca, jura? – Louise não pôde conter o riso, já aliviada.
Nisso, chega o táxi pedido pelo hotel, e se dá uma cena incrível: os dois taxistas – o encomendado e o arranjado – começaram a brigar pelas passageiras!
Pensando na diferença em relação aos taxistas do Rio – onde os passageiros é que brigam por eles –, Marina começou a gargalhar. E Louise cada vez mais estupefata:
– Não tínhamos nenhum, e agora temos dois disponíveis! Como vamos fazer?
– Agora você escolhe o táxi em que deseja ir... Quer mais? Ahahahahaah! – Marina brinca, vitoriosa, segura de sua sorte mais do que nunca.
E a Providência estava ali para provar, ainda mais, que em terra de Marina sempre será tempo de abundância. De repente, um cantar de pneus e um terceiro táxi posta-se na bifurcação ante o hotel, quase batendo no táxi 2... Desce do carro um chofer no melhor estilo francês, falando sem parar, completamente confuso:
– Mon Dieu, comment ai-je arrivé ici? (Meu Deus, como foi que eu vim parar aqui?)...
Dessa vez fora o recepcionista do hotel quem se deixara contaminar pelas gargalhadas das brasileiras, depois do pasmo geral de todos. Afinal, no início daquela aventura era temeroso se conseguir um só táxi! E agora ali estavam nossas meninas-irmãs simplesmente com três táxis à sua disposição!
Enquanto o terceiro taxista explicava para o recepcionista, cada vez mais atordoado, que repentinamente mudou a direção e foi parar ali, exatamente em frente ao hotel, sem entender como nem por quê...
Marina, então, lembrara o quê, o quê?
– Gente, o que foi que eu fiz mesmo ao sair para pegar um táxi? O quê?
Louise lembrou:
– Você pediu um táxi aos Céus!
Pois bem: os Céus, como nas lendas celtas, atenderam ao pedido de Marina... Mas como é mesmo a sentença?
– Cuidado com o que você pedir ao Céu; ele poderá atendê-lo! – disse Marina – Lembra-se? Marion Zimmer Bradley...
E atendeu mesmo! Só que três vezes, gerando taxista de sobra: o do hotel, o que Marina conseguiu no improviso urbano e o que Deus mandou!
Louise, que a essa altura conciliava os dois brigões, optando pelo primeiro a chegar, pensou com sua piscadela de cílios longos:
– Quem tem uma irmã como Marina não morre pagã!
Ah, e sobre os comestíveis? Passaram na Alfândega? Todos, com a magnética sorte de certa pessoa, claro! Ainda assim Marina garantira uma guloseima, por via das dúvidas: comera meia torta de framboesa no aeroporto, dividindo o quinhão com a irmã.
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E foi assim, lambuzadas de alegria, que as duas voltaram ao Brasil.