quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

CRÍTICA | ROMA


ROMA: nem só de fotografia vive o Cinema




O filme Roma ganhou rápida fama na comunidade internacional e arrebanhou premiações importantes, além de ser candidato a dez estatuetas da Academia. Mas quem se vê numa sala de cinema diante da película de Alfonso Cuarón não necessariamente se sente atraído pela trama entediante que tem apenas na direção de fotografia o seu trunfo. Sim, porque não só de conceito se sustenta um filme. E, no caso, se a fotografia do longa todo em P & B é luxuosa e até esplendorosa em seu approach, elogio similar não se aplica ao roteiro e, mesmo, à base argumentista do longa.

Desde os primórdios da história da Sétima Arte, ficou claro que o cinema não é uma junção aleatória de cenas. Um filme – para que possa ser concebido em seu sentido artístico e integral – precisa ser cadenciado, necessita ser feito de fragmentos que interajam entre si, na formação de um mosaico. Em definição bem simplista, um filme precisa contar uma história. Quando apresenta uma ideia inteira, um longa faz esse papel naturalmente. Mas Roma não passa mensagem, é lúgubre, arrastado e não possui coesão dramatúrgica.

Uma coisa é o fato de um cineasta querer trazer lume a uma ideia; outra, bastante diferente, é constituir o painel integral desse ideário e fazer o público enxergá-lo e comprá-lo com sua emoção. A propósito, já no início do século XX, Georges Méliès – com a sua mensagem de arte visual móvel – conseguiu contar breves histórias. Como ilusionista e “artesão cênico”, ele mostrou-se um mago já naquele tempo, produzindo plastica e conceitualmente um cinema de verdade quando este ainda era inventado. Isso porque – além da plástica imagética e de efeitos visuais inacreditáveis para 1902 – ele foi capaz de construir uma retórica narrativa para Le Voyage dans la Lune, por exemplo. Sem dúvida, um feito sem precedentes. Nem Léon Bouly nem os irmãos Lumière o conseguiram antes, em tal proporção e dimensão. Alfonso Cuarón, entretanto, na segunda década do século XXI não traça um discurso narrativo palpável em seu Roma. E, por mais que vivamos na atualidade a era da imagem, uma mensagem cinematográfica de verdade sempre precisa de uma story line consistente para se fazer sentir, reitere-se.

Mesmo com a sua intenção de retratar a infância e homenagear as admiráveis mulheres que o criaram –, Cuarón em seu filme não disse a que veio. Não foi claramente expressa a mensagem social do longa – que buscava retratar as relações cotidianas entre classe empregadora tradicional e empregados indígenas, no âmago do bairro de classe média alta Roma, na Cidade do México. 

O cinema prescinde de algo mais que uma fotografia espetacular para se estruturar. Também não é o bastante uma sequência com impactante edição de som, como a cena do quase afogamento de Sofi. Momentos soltos não desenharam o cenário desta produção. Além do desejo de polemizar e da imagem (unicamente) apresentada, o longa não teve o que oferecer e, na verdade, produziu duas horas de tédio para uma plateia que aguardava, ansiosamente, ver a história despontar... Meia hora, uma hora, uma hora e meia de filme... e nada de acontecer a triunfante fita que – imaginava-se – iria arrebatar os espectadores com algum acontecimento cênico. 

A atriz principal, Yalitza Aparicio, não tem uma atuação espetacular, mas ainda é a única do elenco (inteiro) a cativar o público com a incorporação de sua personagem.



No que tange ao objetivo de cineasta de romper paradigmas sociais, a temática seria boa e frutífera se houvesse uma trama consistente e bem engendrada, mas nem a rota do drama nem a composição de seus personagens demonstraram inteireza sob a câmera do famoso mexicano.

Minha decepção com o longa também passa pelos (des)caminhos de cenas sem proposta, de (supostos) conflitos sem cerne, de tentativas que não somente não encantaram como também não (simplesmente) agradaram. Pelo terremoto que se ameaça, pela história de separação que não faz sofrer, pelo intencionado drama que quase nunca emociona (apenas Cleo em sua perda passa sentimento).

Em análise realística, talvez Cuarón tenha agradado mais aos especialistas como realizador de uma façanha cinematográfica, afinal ele conseguiu que a Netflix levasse a cabo seu projeto pessoal sem características atrativas às produtoras internacionais de relevo (todo falado em espanhol e mixteco, sem os apelos multicores ou fantásticos de um blockbuster). Cuarón desempenhou o prodígio de ter seu longa-metragem difundido em estrondoso streaming. No entanto, até mesmo para ser cult, o conceito (a base, o pathos, o texto) precisa ser sólido e passar na ficção uma verdade de vertente e fato.

No final das contas, pode até ser que estas perfaçam o total de 10 Oscars no próximo domingo, 24. Mas a verdade – neste filme sem essência dramatúrgica – é que a propagação da fama (e da suposta qualidade) do longa parece dever-se ao velho efeito dominó das relações humanas... Aquela situação em que pessoas ou grupos aderem a determinada coisa em decorrência da voz geral, que vai arrastando a opinião coletiva. Disso já nos preveniu Andersen em pleno Oitocentos, com o seu conto A Roupa Nova do Imperador. É similar a alegoria para este produto, especialmente: o longa de Alfonso Cuarón parece o reluzente soberano da história do dinamarquês: sua roupa esplêndida e elogiada por todos não passa de uma convenção socialmente proposta. E neste caso – mais ainda que Fermin(Jorge Antonio Guerrero), o namorado mau-caráter de Cleo – o rei está nu e ninguém tem coragem de dizer que não existe nenhuma indumentária de brilho sobre o seu corpo.

Um comentário:

Lize Berrini G. Alencar disse...

MIL APLAUSOS!!!!! É isso mesmo!!!! A primeira crítica que li capaz de expressar tudo que esse filme NÃO FOI!!!
ÚNICA CRÍTICA boa do filme "Roma"!!!!! Parabéns, Sayonara!!!!