sábado, 9 de fevereiro de 2019

CRÍTICA | A ESPOSA



A ESPOSA: Glenn Close carrega filme e merece, mais do que nunca, o Oscar



A Sétima Arte tem andado carente de bons argumentos e roteiros, bem como de direções que tragam o aditivo do novo. Talvez seja por isso que, dentre as três críticas que escrevi hoje, duas abordem com destaque a atuação das intérpretes do papel-título, em detrimento de quaisquer outros componentes da ficha técnica. Assim é que, mais do que trama, fotografia ou produção, a dona da cena tem sido a personificadora da heroína. Sim, mulheres no centro da ribalta.

Pelas lentes do feminismo, pode-se ver – com clareza – a adequação das novas produções à vertente natural que na verdade vem moldando as civilizações ao longo dos séculos: a irrefutável presença feminina dominando a cena – e não por estrelismo, mas como consequência de suas ações e iniciativas. A propósito, estudos historiográficos podem dar conta do papel da mulher em autonomia, criatividade, arte e liderança.

Tudo isso é incontestável; apenas não considero argumento de verossimilhança uma story-line que mostra uma mulher contemporânea escrevendo livros e os “dando” para que seu marido assine e brilhe em seu lugar. Não, isto não é possível nos dias de hoje. Eis o meu primeiro rebate ao filme, pois na trama Joan (Glenn Close) é uma mulher de raro talento literário que – em nome de uma “adaptação a um mercado machista” e, mesmo, de um amor fiel e devotado – abre mão de seu nome intelectual e de suas obras. Joe Castleman (Jonathan Pryce) é um autor medíocre que se envolve com a (então) aluna e se casa com ela, vindo a apropriar-se absurdamente de seu gênio literário e de seu trabalho.

No início da trama (roteiro de Jane Anderson, baseado em livro de Meg Wolitzer), a protagonista se deixa seduzir por Joe, que – a despeito de ser um teórico e professor universitário – não possui nenhum talento literário. Como – na visão de Joan – o mundo editorial não lhe abriria as portas pelo fato de ela ser uma mulher, e embarcando na onda acadêmica do marido com o nome que este impostava, resolve ir “consertando” os seus escritos até que passa a escrever obras inteiras para ele. Tal se dá por quatro décadas – período em que ela vive à sua sombra (intelectual), embora nesse interregno vão construindo um lar com filhos e uma relação de cumplicidade. Incrivelmente, a esposa tudo suporta até o dia em que o marido, pelos méritos dela, ganha o Prêmio Nobel de Literatura e isso mexe com suas convicções de abnegação.

Ora, o mote da trama é basicamente o mesmo do filme Colette (Estados Unidos/Reino Unido, dezembro de 2018, com direção de Wash Westmoreland), em que a personagem principal também empresta seus dotes literários ao esposo. Apenas A Esposa foi lançado primeiro, em agosto de 2018. De todo modo, assisti inicialmente à biopic passada na França e em sua trama vi total sentido argumentativo, já que no período da Belle Époque (final do século XIX – início do século XX) realmente as mulheres não tinham o seu papel intelectual profissionalmente demarcado na sociedade de costumes. Tanto que isso se mostra no painel realístico refletido pelo longa. Na nossa era, entretanto, parece absurda a ideia de que alguma pessoa, de qualquer dos sexos, se submeta a uma situação dessas. Sou mulher, escritora do século XXI e, obviamente – na tônica de minhas ações e decisões – optei pela minha carreira. Fica, pois, a story-line absolutamente fora de contexto do longa-metragem A Esposa. Se sua mensagem intrínseca encontrar identificação em segmentos do público feminino (o feminismo requer muito mais do que isto), que haja a necessária ênfase – na vivência daquelas mulheres que não tenham experimentado a sua autonomia – para a necessidade premente de comandarem o espetáculo de suas vidas. Neste ponto, o discurso da atriz ultradimensional no recebimento de seu Globo de Ouro foi mais incisivo que o filme em sua fragilidade dramatúrgica. 

Nos quesitos direção de fotografia e correlata linguagem cênica, o filme não entrega o produto esperado. Menção aqui às impropriedades de enquadramento e movimentos de câmera, com destaque para a frágil atmosfera videográfica, a qual parece contextualizar as sequências com cabal artificialidade. Os cenários, todos, não tinham vida fílmica, figurando como que estáticos e inexpressivos panos de fundo. Até mesmo a sequência de majestoso brilho dos bastidores do Nobel entre os nobres e intelectuais de Estocolmo com  com aquela longa e paramentada “mesa real”, seus arranjos florais, castiçais e pratarias – parece empalidecer como fundo cenográfico, passando ao espectador a impressão de todo cenário constituir uma espécie de natureza morta visual-conceitual. Tal poderia concorrer para tornar o longa estanque não fosse a dimensão de Glenn Close, que puxa o carro sozinha com a força da sua arte. 

Restam, pois, duas considerações analíticas de nota: a mensagem de amor sólido e duradouro na relação do casal [sim; apesar da renúncia inaceitável, o amor existe; Joan amava não o escritor (que era um produto de sua seara), mas o homem] e, sobremaneira (não é demais repetir) a interpretação magistral de Glenn Close, que praticamente lhe concede, em antemão conceitual, o famigerado Oscar de Melhor Atriz. Da cena em que se “rebela” às expressões fisionômicas – olhar, choro  do momento derradeiro do longa, passando por todas as cadências fílmicas, sua atuação foi inegavelmente a cereja do bolo.

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