A ESPOSA: Glenn Close carrega filme e merece, mais do que nunca, o Oscar
A Sétima Arte tem andado carente de bons argumentos e roteiros, bem como
de direções que tragam o aditivo do novo. Talvez seja por isso que, dentre as
três críticas que escrevi hoje, duas abordem com destaque a atuação das
intérpretes do papel-título, em detrimento de quaisquer outros componentes da
ficha técnica. Assim é que, mais do que trama, fotografia ou produção, a dona
da cena tem sido a personificadora da heroína. Sim, mulheres no centro da
ribalta.
Pelas lentes do feminismo, pode-se ver – com clareza – a adequação das novas
produções à vertente natural que na verdade vem moldando as civilizações ao
longo dos séculos: a irrefutável presença feminina dominando a cena – e não por
estrelismo, mas como consequência de suas ações e iniciativas. A propósito,
estudos historiográficos podem dar conta do papel da mulher em autonomia,
criatividade, arte e liderança.
Tudo isso é incontestável; apenas não considero argumento de verossimilhança
uma story-line que mostra uma mulher contemporânea escrevendo livros e os
“dando” para que seu marido assine e brilhe em seu lugar. Não, isto não é
possível nos dias de hoje. Eis o meu primeiro rebate ao filme, pois na trama
Joan (Glenn Close) é uma mulher de raro talento literário que – em nome de uma
“adaptação a um mercado machista” e, mesmo, de um amor fiel e devotado – abre
mão de seu nome intelectual e de suas obras. Joe Castleman (Jonathan Pryce) é
um autor medíocre que se envolve com a (então) aluna e se casa com ela, vindo a
apropriar-se absurdamente de seu gênio literário e de seu trabalho.
No início da trama (roteiro de Jane Anderson, baseado em livro de Meg
Wolitzer), a protagonista se deixa seduzir por Joe, que – a despeito de ser um
teórico e professor universitário – não possui nenhum talento literário. Como –
na visão de Joan – o mundo editorial não lhe abriria as portas pelo fato de ela
ser uma mulher, e embarcando na onda acadêmica do marido com o nome que este
impostava, resolve ir “consertando” os seus escritos até que passa a escrever
obras inteiras para ele. Tal se dá por quatro décadas – período em que ela vive
à sua sombra (intelectual), embora nesse interregno vão construindo um lar com
filhos e uma relação de cumplicidade. Incrivelmente, a esposa tudo suporta até
o dia em que o marido, pelos méritos dela, ganha o Prêmio Nobel de Literatura
e isso mexe com suas convicções de abnegação.
Ora, o mote da trama é basicamente o mesmo do filme Colette (Estados Unidos/Reino Unido, dezembro de 2018, com direção
de Wash Westmoreland), em que
a personagem principal também empresta seus dotes literários ao esposo. Apenas A Esposa foi lançado primeiro, em agosto
de 2018. De todo modo, assisti inicialmente à biopic passada na França e em sua
trama vi total sentido argumentativo, já que no período da Belle Époque (final
do século XIX – início do século XX) realmente as mulheres não tinham o seu
papel intelectual profissionalmente demarcado na sociedade de costumes. Tanto que isso se mostra no painel realístico refletido pelo longa. Na
nossa era, entretanto, parece absurda a ideia de que alguma pessoa, de qualquer
dos sexos, se submeta a uma situação dessas. Sou mulher, escritora do século
XXI e, obviamente – na tônica de minhas ações e decisões – optei pela minha carreira. Fica, pois, a story-line
absolutamente fora de contexto do longa-metragem A Esposa. Se sua mensagem intrínseca encontrar identificação em segmentos do público feminino (o feminismo requer muito mais do que isto), que haja a necessária ênfase – na vivência daquelas mulheres que não tenham experimentado a sua autonomia – para a necessidade premente de comandarem o espetáculo de suas vidas. Neste ponto, o discurso da atriz ultradimensional no recebimento de seu Globo de Ouro foi mais incisivo que o filme em sua fragilidade dramatúrgica.
Nos quesitos direção de fotografia e correlata linguagem cênica, o
filme não entrega o produto esperado. Menção aqui às impropriedades de enquadramento e movimentos de câmera, com destaque para a frágil atmosfera videográfica, a qual parece contextualizar as sequências com cabal artificialidade. Os cenários, todos, não tinham vida fílmica, figurando como que estáticos e inexpressivos panos de fundo. Até mesmo a
sequência de majestoso brilho dos
bastidores do Nobel entre os nobres e intelectuais de Estocolmo com com aquela
longa e paramentada “mesa real”, seus arranjos florais, castiçais e pratarias –
parece empalidecer como fundo cenográfico, passando ao espectador a impressão
de todo cenário constituir uma espécie de natureza morta visual-conceitual. Tal poderia concorrer para tornar o longa estanque não fosse a dimensão de Glenn Close, que puxa o carro sozinha com a força da sua arte.
Restam, pois, duas considerações analíticas de nota: a mensagem de amor
sólido e duradouro na relação do casal [sim; apesar da
renúncia inaceitável, o amor existe; Joan amava não o escritor (que era um produto de sua seara), mas o homem] e, sobremaneira (não é demais repetir) a interpretação magistral
de Glenn Close, que praticamente lhe concede, em antemão conceitual, o famigerado Oscar
de Melhor Atriz. Da cena em que se “rebela” às
expressões fisionômicas – olhar, choro – do momento derradeiro do longa, passando
por todas as cadências fílmicas, sua atuação foi inegavelmente a cereja do bolo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário