terça-feira, 1 de setembro de 2015

Memória gustativa



Não, não foi apenas Proust que a evocou com as suas madeleines... Tenho-a também, palpitante e, mesmo, sinestésica... Detalhe: não é que algumas das minhas lembranças gustativas da infância são também de guloseimas assemelhadas à preferência do escritor francês? Sabe aquelas roscas fritas de canela e açúcar, biscoitos esféricos ou bolinhos de chuva? Pois são algumas das minhas referências de paladar infante! Mamãe preparava-as para mim, que as devorava com a mesma avidez com que as olho hoje, se em face delas, numa das minhas visitas à casa de infância!...

Lembrei-me disso não sei por quê... E estou aqui a imaginar que deve ser este um bom exercício: o rememorar das coisas de infância. E começar pela parte gastronômica é realmente uma boa pedida, não é?

Assim é que me vêm à memória gustativa:

– o pudim de leite com calda: minha mãe fazia dois, a cada vez: um para mim; outro para o meu pai (pode acreditar nisso?!);

– o arroz-de-forno amarelinho e recheadíssimo, quentinho, emanando aquele cheirinho típico de algo literalmente saindo do forno(!);
– a pizza de alichi com azeitonas pretas e tomates: massa dourada e crocante como nunca mais vi outra igual(!);
– os salgadinhos de cebola (cebolinha) com queijo... de sabor picante, com gosto de quero-mais, assadinhos e meio que derretendo na boca, amanteigadamente (...);
– os cremosos potes de sorvete de morango, de creme e de chocolate (estes, industriais) e os melhores: os caseiros, preparados pela minha mãe, nos sabores de manga (cremosíssimoo), ameixa e leite condensado!
– as cristalinas,  ultracoloridas e translúcidas balas Soft! Hummm... Praticamente sinto o sabor na ponta da língua manchada de vermelho...
– os caramelos de chocolate envolvidos em papel-manteiga – puxantes, dulcíssimos e com gosto de céu!... Recentemente, experimentei uns parecidos na Cavé, famosa confeitaria de clima oitocentista do Centro do Rio;
– as latas de leite condensado cozido, naquele tom marrom-dourado que só minha mãe sabe imprimir ao cozimento... e naquela consistência ímpar, opulenta! Quase sinto o doce e substancioso gosto nessa tentativa (sem coragem) de descrição... Faço-o parcimoniosamente, para não atiçar a vontade!
– as caixas de bombons Serenata de Amor, que eu comia aos montes e às escondidas, afinal mãe nenhuma permitiria uma farra de sobremesa fora de hora daquelas! Devorava-os, enfileiradamente, e a seguir escondia os papéis por entre meus livros na grande e pesada estante de peroba...
– as bavaroises de abacaxi – aquele creme amarelo delicioso, com pedaços entranhados de abacaxi cozido! Hummm!...
– aquele creme-três-cores geladíssimo [amarelo (leite condensado), marrom (chocolate) e branco (creme deleite + nata)] que mais parecia uma dessas tortas de sorvete de agora... Encontrei, parecido, aqui no Rio há alguns anos, no Bistrô dos Correios, chamado na vez de terrine tricolor.


E mais: a palha italiana, o doce de leite em cubos, a papa quentinha (curau de milho), o cachorro-quente com linguiça das festas juninas e o angu à baiana apimentadamente folclórico...  E, claro, o pacote Anos 80: minichicletes (rosa pink, verde, laranja, amarelinhos), caramelos de leite Nestlé, Chocolates Surpresa, Zorro, Azedinho-doce e Galak! Mais: o pastelzinho de guaraná, a empadinha de camarão da Maria Helena e o bacalhau com creme de leite dos deuses que a minha mãe fazia aos domingos!...

Além das peculiaridades da época, como faço notar, sou filha de uma tremenda gourmet e, por isso, me tornei uma gourmande inveterada e desprovida de consciência salutar... Mas, claro, provida das melhores lembranças gustativas com cheirinhos emanados e sabores apetecidos em manhãs de inverno, com neblina soprando e fumaças espraiantes na cozinha e na varanda da grande e atrativa casa de um dia!...

E você: quais são os seus sabores de infância?


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