Memória gustativa
Não, não foi apenas Proust que a evocou com as suas madeleines... Tenho-a também, palpitante e, mesmo, sinestésica... Detalhe: não é que algumas das minhas lembranças gustativas da
infância são também de guloseimas assemelhadas à preferência do escritor
francês? Sabe aquelas roscas fritas de canela e açúcar, biscoitos esféricos ou bolinhos de chuva? Pois são algumas das minhas referências de paladar
infante! Mamãe preparava-as para mim, que as devorava com a mesma avidez com
que as olho hoje, se em face delas, numa das minhas visitas à casa de
infância!...
Lembrei-me disso não sei por quê... E estou aqui a imaginar
que deve ser este um bom exercício: o rememorar das coisas de infância. E
começar pela parte gastronômica é realmente uma boa pedida, não é?
Assim é que me vêm à memória gustativa:
– o pudim de leite com calda: minha mãe fazia dois, a cada
vez: um para mim; outro para o meu pai (pode acreditar nisso?!);
– o arroz-de-forno amarelinho e recheadíssimo, quentinho,
emanando aquele cheirinho típico de algo literalmente saindo do forno(!);
– a pizza de alichi com
azeitonas pretas e tomates: massa dourada e crocante como nunca mais vi outra
igual(!);
– os salgadinhos de cebola (cebolinha) com queijo... de sabor
picante, com gosto de quero-mais, assadinhos e meio que derretendo na boca,
amanteigadamente (...);
– os cremosos potes de sorvete de morango, de creme e de
chocolate (estes, industriais) e os melhores: os caseiros, preparados pela
minha mãe, nos sabores de manga (cremosíssimoo), ameixa e leite condensado!
– as cristalinas, ultracoloridas
e translúcidas balas Soft! Hummm... Praticamente sinto o sabor na ponta da
língua manchada de vermelho...
– os caramelos de chocolate envolvidos em papel-manteiga –
puxantes, dulcíssimos e com gosto de céu!... Recentemente, experimentei uns
parecidos na Cavé, famosa confeitaria de clima oitocentista do Centro do Rio;
– as latas de leite condensado cozido, naquele tom
marrom-dourado que só minha mãe sabe imprimir ao cozimento... e naquela
consistência ímpar, opulenta! Quase sinto o doce e substancioso gosto nessa
tentativa (sem coragem) de descrição... Faço-o parcimoniosamente, para não
atiçar a vontade!
– as caixas de bombons Serenata de Amor, que eu comia aos
montes e às escondidas, afinal mãe nenhuma permitiria uma farra de sobremesa fora
de hora daquelas! Devorava-os, enfileiradamente, e a seguir escondia os papéis por
entre meus livros na grande e pesada estante de peroba...
– as bavaroises de
abacaxi – aquele creme amarelo delicioso, com pedaços entranhados de abacaxi
cozido! Hummm!...
– aquele creme-três-cores geladíssimo [amarelo (leite
condensado), marrom (chocolate) e branco (creme deleite + nata)] que mais
parecia uma dessas tortas de sorvete de agora... Encontrei, parecido, aqui no
Rio há alguns anos, no Bistrô dos Correios, chamado na vez de terrine tricolor.
E mais: a palha italiana, o doce de leite em cubos, a papa
quentinha (curau de milho), o cachorro-quente com linguiça das festas juninas e
o angu à baiana apimentadamente folclórico...
E, claro, o pacote Anos 80: minichicletes (rosa pink, verde, laranja,
amarelinhos), caramelos de leite Nestlé, Chocolates Surpresa, Zorro,
Azedinho-doce e Galak! Mais: o pastelzinho de guaraná, a empadinha de camarão
da Maria Helena e o bacalhau com creme de leite dos deuses que a minha mãe
fazia aos domingos!...
Além das peculiaridades da época, como faço notar, sou filha
de uma tremenda gourmet e, por isso,
me tornei uma gourmande inveterada e
desprovida de consciência salutar... Mas, claro, provida das melhores
lembranças gustativas com cheirinhos emanados e sabores apetecidos em manhãs de
inverno, com neblina soprando e fumaças espraiantes na cozinha e na varanda da
grande e atrativa casa de um dia!...
E você: quais são os seus sabores de infância?
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