Descobri, há pouco tempo, que a beleza comove. Tive esse insight no cinema.
Você pode pensar que tenho mania de teorizar tudo, mas o que me move nesse sentido é a constatação de determinado axioma – que ainda não foi detectado – diante de situações as mais variadas. Essa ideia, por exemplo, de que a beleza comove tem suas bases no fato de nos enlevarmos diante do belo, de tal modo que aquilo nos atinja em cheio. Talvez seja por isso – apreendi – que gostamos tanto daquilo que é bonito: porque tal objeto nos agrada tão profundamente que vai habitar o âmago de nossos desejos. Note, a respeito, o que você sente quando olha a paisagem de um lago na Itália, uma obra de arte, a foto de um bebê de revista ou a belíssima fotografia de um filme de amor. Eu já ouvi alguém dizer, por exemplo, que quando está em Roma, diante de tanta beleza, se sente tão feliz que é como se tivesse a alma elevada, o que faz brotar em seu rosto um espontâneo sorriso, de deslumbre, de enlevo! Essa é, sem dúvida, uma acepção da tal beleza comovente.
Em outra linha de percepção da chamada beleza, você pode sentir algo semelhante ao se deparar com a cena de seu astro de cinema predileto ou, meramente, de alguém de seu círculo que você admira ou de quem você gosta sem fazer força. O mesmo poder da beleza você sente diante de uma vitrine, onde se expõem objetos de seu desejo, aqueles elementos materiais que fazem parte do seu chamado sonho de consumo. São estes, em princípio, objetos belos, que lhe fazem bem ao olhá-los. Que mulher não fica feliz, por exemplo, ao contemplar um colar ou adereços reais, majestosos, numa joalheria ou num museu? Quantas vezes você, mulher, não está cheia de pressa num shopping, com os minutos contados para algum compromisso, mas ao ver uma roupa bonita em uma vitrine, volta alguns passos somente para admirá-la, mesmo sabendo que não terá tempo sequer de experimentá-la? Nesses momentos de contemplação, a tal convencionada – e admirada – beleza lhe traz, talvez em mensagens subliminares, o ímpeto ou a necessidade de aquisição. E é esse desejo de tomar tais coisas para si que comprova a inegável sedução da beleza.
Todas essas situações têm uma coisa em comum: o fato simples de a beleza que você vê poder conduzi-lo a algum tipo de sentimento. E é por isso que eu digo que a beleza comove. Você talvez nem saiba por que aquela visão lhe agrada tanto, mas – se fizer uma autoanálise – poderá descobrir que é porque ela penetra a sua comoção, de alguma forma.
O belo causa comoção na medida em que certa visão lhe apascenta a alma, e, assim, momentaneamente lhe traz algum tipo de paz, felicidade, aconhego... e lhe retorna ocasionalmente à lembrança! Belo que é belo, na sua acepção verdadeira, tem o poder de chamar fortemente a sua atenção, imiscuir-se na intimidade de seu pensamento e instalar-se na casa de sua memória. É por isso que acredito que o belo atrai as pessoas, não simplesmente pela plástica da imagística, mas sobretudo porque pressupõe uma carga imensa de emoções decorrentes. A força da beleza, pois, consiste nas consequências de proximidade e atração que a sua impressão traz. Seus olhos absorvem determinada visão na contemplação-comoção que, de tão bela a seu ver – enfatize-se ainda uma vez –, abarca toda a sua alma!... Por isso é que tal beleza impressiona tanto.
Entendi isso quando parei para pensar – reitere-se – por que as pessoas, por vezes, ficam tão enlevadas diante de um objeto, imagem ou pessoa. Ora, porque esse objeto, imagem e pessoa não são apenas bonitos e ponto. Não basta que seu objeto de desejo seja bonito apenas: tal objeto precisa ser bonito mais além, na extensão da percepção, do sentimento e da adoção, por parte da pessoa que vê, desse paradigma de beleza singular. Deve ser por isso que uma estrela pop, por exemplo, é capaz de angariar fãs, atrair multidões e estimular a aquisição de produtos com a sua marca. Tudo por causa, primariamente, do carisma emanado por sua personal beleza. Sim, porque a mensagem subliminar da beleza estabelece uma codificação imediata com a sensibilidade do espectador-admirador. Então a beleza o faz viajar na apreciação daquele sorriso, daquele olhar, daquele brilho imenso que caracteriza tal imagem. E deve vir acompanhada de qualidades outras, aquelas que implicitamente se fazem sentir a partir da bela acepção inicial de seus olhos.
Após tantas especulações, creio que se possa dizer que a beleza – a verdadeira – passa uma mensagem implícita de atração e adesão. Não por acaso os helenos criaram protótipos artísticos de estética e encheram seus palácios e templos de representações belas do humano. E até hoje você e eu, quando ouvimos falar da Grécia Antiga, logo somos reportados à imagem da beleza.
Falando nisso, logo me vem à mente – provindo direto do imaginário greco-romano – o mito de Narciso, encantado que ficou com a sua própria imagem refletida no lago. O nome Narciso, aliás – originário do vocábulo grego narcose – significa entorpecimento, ou a possibilidade de algo nos narcotizar, nos envolver numa espécie de torpor ou encantamento. E aqui se realce, ainda uma vez, a comoção causada pela beleza, vista aqui por um outro ângulo, já que a minha premissa básica nesse silogismo se refere à beleza que contemplamos no exterior, ou seja, para muito além de nós mesmos. Aliás, nesse sentido se posicionou Mc Luhan, que afirmou, a respeito, que os seres humanos se encantam por algo externo, uma extensão de si mesmos, em qualquer material ou existência que não sejam eles próprios. Ou seja, buscamos essa beleza-fascinação para além de nossos olhos. Assim, o filósofo-educador sustentou que Narciso viu algo a mais naquele mítico lago: ele teria enxergado não a si próprio, mas a extensão do próprio homem. Nesse sentido, creio que possamos dizer haver Narciso se fascinado com a imagem refletora do ser humano. Comoveu-se, pois, com a beleza humana.
Ninguém, afinal – pelo menos em princípio – poderia dizer que não aprecia o belo, visto ser este uma emanação ou captação do sentimento do mundo. As pessoas, muito naturalmente, gostam de estar num lugar bonito, de habitar um ambiente enfeitado com belezas, de vestir roupas bonitas, de apreciar pessoas igualmente belas, dessas que apascentam o olhar...
Não estou aqui dizendo que o convencionadamente belo é o que há de mais importante. Não é isso. Ele precisa de acessórios, qualidades outras, que devem pressupor, por exemplo, atributos refletores de beleza interna. Note aqui que até as qualidades ditas de espírito – que nada têm a ver com aparência – na hora de serem nominadas, recebem o nome genérico de beleza interna. Se preconcebemos isso como verdade absoluta, deve ser porque não gostamos ou não aceitamos como bens e desejos objetos que não sejam belos, afinal todos buscam o belo na infinitude do olhar. E nem é preciso ser um esteta para isso. Quando se é, então...
Lendo esse meu pensamento – será que é mesmo uma descoberta digna de teorização? – você definiu o tal sentimento de beleza? Sim, porque a beleza é, antes de tudo, um sentimento, cuja contemplação é ditada por um seu direcionado olhar. Identificou-se, pois, com o tal sentir? Relacionou aí na sua lista de lembranças algo que, de tão belo, atingiu o seu sentimento? Se a resposta for positiva, você concorda comigo que a beleza comove. Sinceramente, eu acho mesmo que sim.
Por Sayonara Salvioli