Quando morre um escritor, é como se o mundo ficasse mais vazio... E fica mesmo: forma-se um vão temporário daqueles sentimentos e expressões que, peculiarmente, aquele artista das letras possuía. O mundo fica mais triste, e as pessoas – seja de que área da diversidade humana forem – adotam um emblema de luto respeitoso, de silêncio reverente. Afinal, um escritor normalmente tem a peculiaridade de emocionar, de aproximar os espíritos humanos. E, por isso, é como uma dádiva para as pessoas: estimula, esclarece, embevece e aquieta os corações.
Lembro-me, com perfeição, de quando morreram Drummond e Vinícius. O mineiro de Itabira deixou a esfera terrena quando eu tinha 19 anos; já o poetinha partiu quando eu era ainda criança. Mas ambos deixaram, no momento em que se foram, um vácuo em meu coração. Na verdade, era como se os conhecesse, já que viajara tanto na sua emoção, passeando pelos recônditos mais profundos de sua sensibilidade. Da morte de Drummond eu soube pela TV; uma reportagem do Jornal da Globo trazia alguns de seus versos e lembranças mais notáveis. E eu lamentei profundamente não tê-lo conhecido. Esbocei-lhe alguns versos e descerrei sentidas lágrimas. Sete anos antes, em 1980 (precisamente julho de 80), o mundo perdia o homem Vinícius. Sim, porque o poeta – apelidado imorredouramente de poetinha – este viveria (reinaria) para sempre! Nos versos e canções, na prosa elegante, profunda e sofisticada! Vinícius vive e revive cada vez que se escuta Bossa Nova, que a garota de Ipanema vai ao mar aqui ou toca em Nova York ou em Hong Kong. Tudo será infinito enquanto durar, ou seja, no tempo vasto do sempre. E é nessa temporalidade, a um só tempo relativa e absoluta, que o vate me encanta. E descubro, mais e mais a cada dia, como ele tinha razão!...
Essas duas mortes – do itabirano ferrenho e do carioca boêmio – me marcaram com a agudeza das lembranças fortes das tristezas inevitáveis... E agora morreu Saramago, um escritor-mago da nossa contemporaneidade atribulada. Considerado o grande artífice do reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa, o escritor tratou de temas históricos, sociais, filosóficos... e de impasses do mundo com uma pena extremamente personal, capaz de registrar em sépia as diversas nuances do espírito humano. Coerente e lúcido, foi – segundo o crítico norte-americano Harold Bloom – um dos últimos gigantes do gênero romance nas sociedades contemporâneas. E Saramago acreditava nos faltar o exercício mais amplo e continuado do pensamento (“Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma”). Com esse enfoque analítico, foi um dos grandes e atuais proponentes artísticos da reflexão e de uma filosofia estética, com conteúdo, forma e proposta. Ao falar do que sabia, sabia como fazê-lo. É isto, pois, característica de um nato e respeitabilíssimo escritor. E, com essa forte condução, ele nos levava em seu passeio, nos enredava em seu enleio. E a ficção se fazia mais realidade e oportunidade. Oralidade e retórica como que condensadas a serviço da escrita!
Percebi que o mundo se emocionou bastante com a morte do célebre e admirável escritor português – um Prêmio Nobel de Literatura –, um arauto contemporâneo de dilemas de contexto. Mas também – creio veementemente! – que se pôde entender o quanto dele permanece entre nós, algo como uma sombra projetada junto à cadência ritmada do caminhante: deixou os vestígios, em suas obras – seus pensamentos, suas ideologias –, que irão nos conduzir nas buscas e descobertas de mundo.
Enfim, Drummond, Vinícius e Saramago – e quaisquer que sejam os ícones imortais das letras, tornados luzes na nossa acepção intelectual de todos os dias –, eles reinarão para sempre: na página, na nossa mente analítica e na emoção dos leitores – ávidos, férvidos, apaixonados!...
Por Sayonara Salvioli
4 comentários:
Sayonara, seu texto tem sempre a poesia das pessoas sensíveis. E falando de escritores então vc se superou. Ficou delicado e emocionante!! e vc ainda lembrou dois poetas que eu amo de paixão.... Vinícius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade. adorei!!!!!!!!!!!
bacana!!!! palavras emocionadas e bonitas sobre imortais!!!!!!!!!!!!! na verdade nunca vão morrer...suas obras, seu trabalho.
Uma perda enorme a do Saramago! Mas o mundo ganhou por muito tempo e guarda a imortalidade de suas obras.
Adorava as obras dele. Principalmente Ensaio sobre a Cegueira.
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