segunda-feira, 22 de junho de 2009

A rotina é má companheira



Dona Rotina é uma velha senhora com reumatismo. Nunca fiz nem farei amizade com ela. Amo o colorido descompromissado das horas de liberdade! Essas que não conhecem hora ou impõem tempo exato num determinado evento...
Sempre fui muito responsável, cumpridora de minhas obrigações. Porém, honro meus deveres de modo muito peculiar: escolhendo meus momentos de lazer e minhas horas de trabalho. Também sempre corri atrás do tempo em galope cerrado, e nunca deixando que ele se apartasse de mim de modo muito distanciado. A verdade é que tenho uma história de amor com o tempo; temos uma cumplicidade própria daqueles que se entendem numa simples unidade de cronômetro.
E não pense, meu leitor, que – na minha evasão propositada de horas – deixo que o tempo escorra entre os dedos... Nada disso! Quando vejo que ele está fugindo de mim – impedindo-me ou atravancando minha sagrada missão de ser feliz –, pernas-pra-que-te-quero... acelero o passo, preparo a corrida e o resgato aos laços do meu desejo! Sim, o desejo... Deste sou amantíssima, e com o amigo tempo formamos a trilogia aristotélica da busca pelo bem-estar existencial.

Tomara que você não considere não poder me entender em minhas evasões e ilações. Na verdade, será bem fácil me compreender se você considerar que já correu atrás de algum tempo fugidio... Sim, porque para mim o tempo, mesmo corredio, precisa estar ao meu alcance; tenho necessidade absoluta de ser dona do meu tempo-espaço: senhora do meu lazer, do meu sono, da minha vigília, do meu dever e das minhas horas de buscas metafísicas!...
E quantas divagações e silogismos seriam necessários para qualificar, dimensionar, classificar ou medir o tempo?... Registros após registros com as minhas mensurações temporais e atemporais...
Acho que preciso mesmo – sempre! – me adaptar com suaveza ao universo que me rodeia. Falando de modo mais claro, quero dizer que necessito domar aquilo que acontece à minha volta, posicionando-me com uma vontade altaneira, a qualquer tempo.
Lembrando Drummond e evocando Einstein, eu diria que procuro repartir muito particularmente as minhas fatias de tempo: há a fatia da reflexão, a da obrigação, a do divagar criativo, a da produtividade acelerada, a da conclusão de missões. Sempre levo a cabo o compromisso estabelecido e assumido, mas antes de bordar o meu bastidor com fios de ouro, esquivo-me do tom metálico da hora inflexível... Viajo, faço minhas leituras, assisto a meus filmes, ando pelas ruas, passeio pelo shopping e me permito lautos lazeres gastronômicos antes, por exemplo, de me sentar ao computador por vinte e nove horas seguidas (Sim; eu já fiz isso, por força contratual, mas não com menos prazer: o da produtividade contínua, fluida, abundante!). Posso, com felicidade,  produzir como uma máquina humana – como alguns generosos amigos me qualificam (risos) –, porém, antes, preciso estar feliz e solta, dona da minha decisão e do meu tempo. Após relaxar, passear e inventar um lazer de minutos, sou capaz de uma tarefa de dias inteiros, quase sem interripção! Sou assim: Pronto parâmetro-chavão 8 ou 800 na acepção dos sentidos!
Já ouvi dizer que ninguém faz por muito tempo aquilo de que não gosta. Considere, pois, aquilo que lhe dá prazer e aquelas coisas que você abomina... Estas, com certeza, você acaba por afastar de seu tempo diário. São essas coisas que constituem a tal rotina, vilã do prazer na dinâmica da vida.
No fim de contas – do tempo! –, acho mesmo que o importante, além de reter e atrair para si a largueza do chronos, é tentar subdividi-lo nas diversas escalas das suas intenções: achar lugar e momento para tudo. Como numa ampulheta, não podemos deixar que ele se disperse no nada... É preciso manter o fluxo das areias dos momentos!
E, pela lei dos seus instintos e sentidos, o tempo poderá ser como o gênio da lâmpada para você: o senhor dos seus desejos!... Utilize-o, pois, na medida equilibrada de seus ideais mais fortuitos! E não se esqueça: repudie uma amizade com Dona Rotina! Passe léguas distante de suas chibatas de couro!

Sayonara Salvioli

8 comentários:

Raquel Salomão disse...

Adorei este texto... Sei que isso não é novidade, pois gosto de tudo o que você escreve. No entanto, esse texto expressa exatamente o que eu penso: a rotina é inimiga da criatividade e da produtividade. Quando as pessoas são apresentadas a esta velha senhora gorda(risos), tudo fica monótono e a vida perde parte do seu encanto. Acho que já deu pra perceber que eu não suporto rotina, né? rs rs

Lininha disse...

Simmm Sayonara!!!!!!!!!!!! A tal da dona Rotina é uma vilã mesmo!!!!! Também não suporto!!!!!!!... estou sempre dando um jeito de desviá-la do meu caminho!!!! rsrsrs A-d-o-r-e-i o texto!!

Cláudia F. disse...

Estava sentindo falta de suas postagens. Acho que a blogosfera não é a mesma sem um texto seu, com essas propostas que vc tem.
Sobre a rotina, acho que a definiu muito bem. Pena não podermos nos livrar dela sempre que queremos... O ideal seria realmente vivermos num meio, numa esfera em que os compromissos fossem controlados pela responsabilidade das pessoas, e não pelas convenções de horários e sistemas estabelecidas.

Gustavo Amaral disse...

Gostei de ver que tinha postagem nova!
Parabéns! Seus textos são sempre profundos e expressivos! Refletem a realidade das coisas de um modo muito peculiar, de um jeito todo seu de abordar e externar as coisas do mundo. Acho que as suas lentes de escritora são muito poderosas: enxergam sutilezas e definem em detalhes pensamentos que também temos, mas que não expressamos normalmente, embora pensemos como você. Mas está certo! Cabe a vocês escritores portarem o pensamento geral na descrição e registro de idéias. Por isso mesmo é que você não suporta rotina! O cotidiano deve atravancar o caminho, a liberdade de criar segundo o que se gosta... Ih! Acho que me estendi muito não? Afinal, não sou escritor!! Mas fica aqui o meu aplauso pela sua literatura e pelo seu jeito de ser e pensar.
Abraços.

Emir Larangeira disse...

Amiga

A grande vantagem do tempo é que ele não existe. Ou melhor, existe para quem vive contando o tempo e tentando esticá-lo como se fosse elástico. Bobagem! Se esticar demais, arrebenta; se não esticar, encolhe e some como se se enfiasse num "buraco negro". Não pensar no tempo e na "Sra. Rotina" é o melhor sentido da existência. Viver é preciso. E viver é sonhar; é imaginar o passado e o futuro no presente; é desligar-se do relógio e não separar o dia da noite, sempre lembrando que o sol brilha do outro lado do planetinha. Viver é crer que a melhor hora é agora e fazer o que se quer livremente. Viver é ser livre de tudo, principalmente da imposição do tempo, invenção humana superada pela relatividade do "espaço-tempo". Viver é libertar-se da “Sra. Rotina”, maior inimiga da criatividade humana.

Parabéns pelo texto! Ele é concomitantemente literário e filosófico-existencial!

Quem sabe, sabe...

Léa disse...

Adorei o texto Sayonara!! Voce sempre acertando com seus raciocínios literários!!

Felipe Vítor disse...

Tb não gosto nada de rotina. viva a liberdade!!!

Gláucia Ramos disse...

Sayonara,
Também fujo horrores da tal rotina!!!!
E acho que a gente pode encontrar um jeito de fazer o "todo-dia" mais divertido e produtivo, fazendo o que se gosta, aquilo que vale a pena com certeza!!!!!!
Texto muuito bom!!!!!!!