Apesar de ser do interior, originariamente, tenho alma urbana. Gosto de barulho, ruas cheias e cenários de concreto em cubos (prédios) entremeando árvores com projetos paisagísticos. Apaixonam-me menos os campos esparsos das fazendas que os parques urbanisticamente gramados das grandes cidades. Minha preferência de alma é tamanha que, mesmo em cenários paradisíacos, se silenciosos, fico triste no quarto dia e penso em voltar para casa.
Por tudo isso – e mais uma infinidade de quesitos que enumerarei crônica a crônica –, gosto de morar no Rio de Janeiro. O Rio adorável da exuberância natural do Pão de Açúcar ornado com os trilhos do bondinho em sua rotina de ir e vir, poeticamente, sobre cabeças cariocas – e baianas e pantanenses e gaúchas e potiguares e estrangeiras...
Depois de horas ao computador, escrevendo textos técnicos ou artísticos, gosto de descer e observar a correria do mundo e a multidiversidade de seus personagens. Dou-me, então, uns merecidos intervalos e me entrego à eterna curiosidade sobre o fenômeno humano. Ao atravessar os portões do condomínio, observo a minha síndica (merece uma crônica!), com seu carioquês sui generis a fiscalizar o trabalho de um contingente de dez sofridos porteiros. Depois me misturo aos rostos desconhecidos da calçada, na captação de semblantes e energias próprias de multidão. Olho para a fileira de carros no sinal, a calçada com seus transeuntes e a diversidade de pontos comerciais da rua: restaurantes – peruano, chinês, japonês e colonial –, além da cervejaria de modalidades raras e a casa de produtos nordestinos. Do Intihuasi à Herr Brauer, do China in Box e Nobu Matsuhisa à Sorveteria do Nordeste (merchandising gratuito para todos eles!), aprecio as diversificadas ofertas – nacional e multinacional – de gostos e paladares. Mas, no fim, sempre volto ao bom e velho restaurante com cara nacional, para o consumo cotidiano de sua picanha fatiada, seu caldo verde e suas pizzas.
Além dos restaurantes, também há na minha rua (uma delas, pois meu prédio é de esquina) uma papelaria de que sou habitué, o salão de beleza de nome (e preço) francês que freqüento e um prédio com cinco agências de modelos (que de nada me servem, diga-se de passagem). Ah, já ia me esquecendo da academia de ginástica (esta, então, inexiste para mim!), da floricultura, da loja de assistência técnica de eletrodomésticos, das farmácias e das clínicas. Porém, úteis mesmo são os restaurantes! São eles os meus points de visita prediletos na prática de atividades diárias!... Sou adepta da boa mesa e cometo, na constância dos dias, um tal pecado capital de gula que me traz as duras penas dos quilinhos adicionais! Falando nestes – e abominando-os naturalmente –, logo me vem à mente outro ponto de atração da minha rua: uma banca de jornal, com seu peculiar dono de larga fachada (é sem vírgula mesmo, pois a fachada a que me refiro é a do dono, um gordo de mais ou menos 130 Kg e, com boa vontade de minha parte, 1.50m de altura). Pois bem, o gordo da banca da esquina intenta ser o personagem central desta crônica narrativo-descritiva, de humor despretensioso e leves toques de concepção poética da realidade.
Na verdade, nos últimos meses, o gordo tem sido uma figura esmaecida na minha imaginação, já que não tenho visitado a banca em fluência coadunante com as minhas vontades. Uma destas era a minha mania de dirigir-me até lá, não para comprar jornais ou revistas, mas – siim!!! – para comprar balinhas não-dietéticas de deliciosas e “puxantes” calorias condensadas (existem guloseimas mais gostosas que essas balas aderentes aos dentes?)... Pois é...
Então, há alguns bons meses (mudei, temporariamente, minha mania de balas para mousses e tortas), eu tinha um hábito praticamente religioso de passar na banca todos os dias e comprar 20 balinhas. Atitude de pouco exercício cerebral, visto que seria mais inteligente comprar – de uma só vez – 100 delas, a fim de tê-las em casa, o que evitaria a peregrinação diária à minha Meca doce. O(a) leitor(a) não acha? Imagino que sim. Mas a verdade era que eu distribuía assim a minha compra de balas avulsas. Possivelmente, como narrei acima, para descer às calçadas e misturar-me com o mundo.
À época de minha freqüência diária à banca do gordo, eu passava por algumas suaves crises de raiva quando me deparava com aquela cara larga dele, a me sorrir com seu sorriso farto, como se a dizer: “Ah! Já voltou de novo pra comprar balas? Elas engordam, sabia? Veja como fiquei!” Gordo chato, gordo feio, gordo abusado! E o pior nem era esse meu pensamento a pressupor a plausibilidade do dele. Pior ainda que isso era o fato de ele parecer me considerar uma integrante do seu grupo de gordinhos tarados por balas... Era como se ele dissesse: “Lá vem ela de novo! Está viciada mesmo!”... Mais que isso, me irritava profundamente a impressão nítida que ele me causava: parecia demonstrar que já me considerava no seu futuro bloco de gordos! A coisa era tal que, ao chegar em casa, muitas vezes eu analisava no espelho se estavam visíveis as minhas recentes aquisições calóricas!... Viagens paranóicas por culpa do gordo! Ora, que acinte, que despautério (como diriam os literatos antigos)! Que abuso! Posso estar um pouquinho acima do peso (sem contar que mulher sempre acha que está), mas nem mesmo um decênio de ingestão daquelas balas poderia operar tamanha transformação na minha aparência! Aquele gordo se mostrava totalmente no sense ao pensar que seria eu uma de suas colegas por afinidade de gula... Por afinidade de gula, podia até ser, mas não por similaridade de peso, isso jamais!
E ainda havia outro detalhe: se eu passasse, no mesmo dia, pela segunda vez em frente à banca, ele se adiantava na minha direção - com as mãos cheias! - na intenção clara de aliciar-me para novos consumos e calorias! Eu ficava com tanta raiva que passava direto; sequer olhava na direção da banca! Outra coisa que ele fazia, a acirrar-me uma "ira branca", era ofertar duas ou três balinhas a cada compra: "Estas são de cortesia". Mas não era cortesia, nada! Apenas mais uma de suas intenções sarcásticas. E a minha reação (o(a) leitor(a) bem pode imaginar) era jamais aceitar tais ofertas! Mas ele nem se tocava com a minha veemente atitude de retaguarda; parecia não se dar conta de sua inconveniência, tampouco de sua figura... Tenho mesmo a impressão de que ele ficou gordo assim por permanecer lá, o dia inteiro, alheio ao mundo durante algumas décadas, a chupar aquelas balas... E declaro que não quero ser sua seguidora na seita do açúcar e do mel (Ah, as balinhas de mel!)...
Mas o fato é que abandonei essas frivolidades de rotina e, sempre que passo pela banca, sorrio para o gordo com ares de vitória e superioridade! Ah, ah! Você não pôde comigo, penso. Ele, no entanto, com aquela expressão cínica que lhe é peculiar, continua a sorrir-me seu sorriso debochado de dentes feios e mínimos, claramente afetados pelo açúcar dos anos! Às vezes, animada que fico por havê-lo vencido, ainda viro a cabeça para trás, dou novo sorriso e acrescento com o olhar: Gordo bobo, olhe só como sou diferente de você! Nem preciso dessas balas! Ih!... Não é que, ao narrar esses fatos de recente passado corriqueiro, momentaneamente, fiquei com saudades das tais balinhas... Humpf! Tudo por culpa daquele gordo da banca da esquina!
Por Sayonara Salvioli
P.S.: Deixo claro aqui que tenho amigas e amigos gordinhos, que são pessoas maravilhosas e das quais gosto muito. O meu problema é só com o gordo da banca da esquina!
terça-feira, 21 de outubro de 2008
O gordo da banca da esquina
Marcadores:
balas,
banca,
calorias,
esquina,
fazendas,
guloseimas,
Pão de Açúcar,
Rio de Janeiro,
rotina
Assinar:
Postar comentários (Atom)
16 comentários:
Adorei! Deliciosa a maneira como tu escreves! Aguça a imaginação do leitor, tanto que chego a enxergar o gordo e sentir o gosto das balas! Vou passar por aqui todos os dias, virar leitora fiel! Bjs, Patricia Bassotto
Sayonara: fico pensando se esse gordo lê a crônica! hauahauahaua não seria perigoso já que ele é o gordo da banca da esquina???
Sayonara,
Também sou escritor e fiquei encantado com os seus textos! Li os outros também e faço questão de expressar a minha admiração pela sua flexibilidade literária. Refiro-me ao fato de você escrever maravilhosamente bem em qualquer estilo, atendendo a diversos gêneros de demanda Isso é uma coisa rara! Impressionou-me a sua facilidade de narrar uma crônica como esta, de uma narrativa objetiva e direta, ao mesmo tempo em que também imprime o seu jeito literário sofisticado num texto mais póético e profundo, como é o caso de A mulher e o gato. Te parabenizo por isso, pois é uma coisa rara escrever bem em qualquer gênero! Certamente não foi por acaso que o Afrânio Coutinho te colocou na Enciclopédia de Literatura Brasileira.
Eu moro em São Paulo e gostaria de saber se você poderia vir até aqui dar uma palestra num centro cultural de cuja diretoria participo. Te procurei no Orkut e encontrei seu e-mail. Vou te mandar meus contatos.
Desejo cada vez mais sucesso para você!
A sua crônica tem uma coisa interessante, que é a maneira sutil que você parece usar pra misturar realidade e elementos ficcionais. Vc condensa tão bem os dois aspectos que a gente nem sabe mais quando uma coisa faz parte do lado cotidiano da crônica e quando é algo que você criou pra temperar a narrativa. Isso é totalmente literário porque estimula a vontade da leitura.
A-D-O-R-E-I!!!!
Enquanto lia, quase podia ver a "expressão largamente sorridente do gordo".
Ainda bem que você superou este vício e se afastou da possibilidade de integrar o grupo dos gordos-por-balinhas-da-banca-da-esquina! hahaha
Bjsss
PS: Destaco a parte em que você menciona a síndica com seu inigualável "carioquês"... realmente, fiel à realidade! =)
Hilário, rsrsrsrsrsrsrsr !!!!!!!
Você escreve muito bem, parece que estou até vendo a cena, parabéns !!!
O gordinho desconta as frustraçõs na comida, nas balinhas, coitado, e cada vez mais vai se enrolando nesa teia que lhe provoca ainda mais frustração.Todo vício, seja qual for, acontece para aliviar alguma dor, mas o que realmente provoca é mais dor. As pessoas mais frágeis e vulneráveis são as mais propensas e o vício as torna ainda mais fracas e carentes, cada vez mais incapazes de resolver até os mais simples problemas do cotidiano. È muito importante ser forte, ser inteiro, olhar para dentro, analizar e descobrir quál é o verdadeiro problema ou problemas nas nossas vidas, respirar fundo, pensar, analizar e reagir, resolver o/s problema/s e continuar andando a passo firme pela vida em direção sempre a melhorar e crecer como ser humano e evitar a autodestruição.
Nossa qué profunda !!!!!!
Tadinho, estou com pena do gordinho agora snif snif
Bjs minha amiga linda.
Varinia.
querida SAYONARA...viajei em sua crônica...viajei...que delícia de viagem!!!! minha boca aqui cheia d'água pelas balinhas de mel...rrsrsrsrsrs...mas o gordo!!!! Ah o gordo!!! Que vontade de...nele...que vontade!!!! Olha...já virei visitante oficial de seu blog...você é uma menina de ouro...bjus...Aqui a sua médica de Santo Antônio de Pádua - RJ...mas morando no Vale do Jequitinhonha. Bjus...
gordo debochado esse hein! rsrsrsrsrsrsrsrs
Acho que descobri de que banca vc pode estar falando... se bem que vc foi sutil suficiente pra colocar uma dúvida na cabeça do leitor, usando uma estratégia visual capaz de contrastar com a localização da rua, do bairro... ha, ha...
Say!!!!
Fiquei até com raiva desse gordo!! Ora, bolas... Querer comparar-se à minha amiga linda, sofisticada e nem um pouco acima do peso (como afirma erroneamente estar) com seu olhar debochado... Ele que se cuide!! Ou os fãs deste blog passarão pela banca e não deixarão bala sobre bala!!! hahahah
Te adoro, minha querida e talentosa amiga!
Mil beijos
Querida, obrigada por sua visita lá no meu cantinho. Fiz questão de retribuir sua gentileza logo cedo. Também gostei muito do seu blog e cheguei a ficar com raiva do gordo da banca, rsrsrs. Você saboreia as palavras e nem parece que está escrevendo e sim conversando. Gostei muito.
A respeito do nosso querido Manoel, ele sensível que é, conseguiu escrever um post hoje homenageando a sua querida Silvia. Vá lá, ele foi maravilhoso.
Beijocas carinhosas
Rsssssssssssssssss...este gordo queria fazer uma dupla da pesada com vc!!!!O engraçado é que quando vc vinha ele já te olhava e só em te olhar vc já ficava com raiva.Este mundo é muito engraçado, no dia-a-dia vc se depara com verdadeiro personagens cômicos e que vc vai reparando e comentando de forma engraçada.O pessoal da minha casa e do meu serviço diz que eu vou pagar muito rs...porque eu sempre estou tirando alguém p/ imitar e encarnar também.Mas no fundo todo mundo sabe que é uma brincadeira p/ divertir quem está ao nosso redor.Não é a toa que quando eles se deparam com alguma figura eles falam:Henrique tinha que está aqui!!!ou :henrique, vi uma coisa que lembrei de vc ontém.Sayonara, muito boa esta postagem sua, vc e´observadora demais e escreve muito mas muito bem!!!!!Parabens!!!Mas não chupe mais bala viu!!!!!
Fiquei tão envolvida que cheguei ao ponto de analisar (imagina!) a foto da postagem, para localizar com precisão a banca do gordo... rsrsrsrsrsrs
figuraça rsrs literalmente esse gordo! gostaria de conhecer a figura!!!!!!
Sayonara,
realmente esse gordo é da pesada.
O texto é realmente maravilhoso, aliás todos os demais também.
Sou suspeita em comentar, mas não posso deixar de externar minha admiração por você.
Bjss.
Realmente,muito bom!
Me imaginei naquela
banca comprando aquelas
balinhasss...
Oh delícia, em amiga?!!
Postar um comentário