Correntes existenciais
Contrariamente à natureza do
ímpeto, reinam em certas etapas da vida as tais correntes existenciais...
Talvez você nunca tenha refletido sobre isso, mas é fato que, muitas vezes, elas
existem – manietam seus pés, atam suas mãos e plastificam sua alma!
Falo, ora, daquelas situações que
se arrastam indefinidamente na vida e provocam, na roda do tempo, um arrastar
de correntes, um acúmulo de vácuos, mil vozes de silêncio, como se numa casa
abandonada... Opostamente ao ímpeto, é um procrastinar do tempo, um adiamento
de circunstâncias, uma autointimidação ao fluxo da vida. Deixar o rio correr,
em ritmo de pasmaceira, à beira de uma pequena vila – sem declives e
cachoeiras, sem correntezas ou tempestades – pode, mesmo, ser pior do que não
existir. Existe quem faz fluir o próprio desejo e caminha em direção traçada. Adia a vida quem só quer brisa e se banha em
águas mornas e plácidas; aquele que só olha para o céu sem nuvens e não colhe –
nunca – a gota noturna mais pesada do orvalho!...
Será que você também já não se
permitiu ou não perseguiu aquele grande sonho? Abriu mão dos rizomas de sua
existência? Disse não ao pensamento ou ao futuro por covardia ou simples medo
de existir? De insistir e existir no próprio espaço – inventado,
autoproclamado, desbravado?!
Bom, não há receitas; não deve
haver – entre o ímpeto e o arrastar de correntes. Talvez não haja medidas ou,
menos, uma solução única e salvadora. Mas há você e a convicção de não deixar o
tempo se arrastar... De não permitir que os anos o apartem de si mesmo – e o
distanciem daquele eu de infância,
que cultivava sonhos, fabricava sorrisos e inventava poções mágicas de existir.
Aquele eu tenro, terno... meio incipiente, mas que já dava seus passos
primordiais na direção de uma autoidentidade plena.
Sim; não arraste correntes! E, se
não quiser riscar impetuosamente os céus com a sua vontade, também não se
permita juntar os cacos de cristal e sabotar o relógio-de-sol... O tempo é
mestre, mas é também sofista, ilusionista, um mago capaz de petrificar seus
olhos! Na permita, pois, ao desenrolar de seu cronômetro a cadência lenta do
senhor temporal de barbas brancas, que – fantasmagórico – esconde o
universo sob a túnica e traz acorrentada
nos pés aquela bala de canhão – pesada, escravizadora e eterna!
Isso: diga não para as situações que se arrastam, como se numa preguiça de
vida ou num ocaso do existir. Na rotação permanente dos dias, sol é ouro e lua
é prata: ambos têm brilho, em qualquer momento do tempo. No firmamento dos
(verdadeiramente) vivos não há lugar para cores esmaecidas e nuvens
cor-de-cinza.
Sem fantasmas, sem correntes e
sem eclipses... Não insista no mau tempo!
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