O Brasil não
é mais o "País do Futebol"?
Uma das primeiras imagens que tenho
de nacionalismo passam por um vislumbre do passado, em que atravesso um portão
correndo, de saias plissadas azul-marinho e meias três-quartos muito alvas. Em
seguida, sigo por uma calçada estreita ladeada por um jardinzinho, até chegar
ao pátio, em frente a uma varanda de escola. O local era como um santuário - o
educandário onde exercitei, nos primeiros anos, as letras e os números. Ali -
em sessões cívicas iniciadas às sete horas da manhã - eu via, todos os dias,
ser hasteada a bandeira do meu país ao som do Hino Nacional. Sinceramente, não
sei se há em minha alma rememorada de menina momentos mais simbólicos do que
este!
Não foi muito diferente a emoção visível no choro das crianças nas arquibancadas do Mineirão de um oito de julho inesquecível. Era, sim, um nacionalismo nascente e aviltado o que se via naqueles rostos inocentes banhados em lágrimas e sentimentos. E tal se deu não apenas - como afirmariam alguns - por causa da (errônea) vivência do futebol no Brasil. E, sim, porque um campeonato esportivo, em que se vê tremular uma bandeira, sempre terá a divisa do nacionalismo. Sim, é possível demonstrar patriotismo nos chamados verdes anos na fila da escola, numa sessão literária, num comício clamando por “Diretas Já” ou (por que não?) num estádio lotado de torcedores veementes. Não há época ou nicho para o exercício da condição cívica, fazendo bater forte no peito o sentimento pátrio. E se este anda meio fora dos corações, não é por culpa do futebol. Também não é uma atribuição do esporte de Charles Miller a obrigação de existir num país que dá certo. Ora, "dar certo" no futebol não elimina a possibilidade de a nação dar certo também em Saúde e Educação.
O Brasil poderia ser o país da Educação, da Cultura, da Arte, da Saúde,
da Justiça e, paralelamente, do Carnaval e do Futebol; as primeiras condições
não eliminam as últimas e vice-versa. Necessidades estruturais e plataformas
fundamentais não dispensam, pragmaticamente, apelos de cultura popular.
Preservar raízes da tradição é algo que nunca significou negação às
prerrogativas sociopolíticas. E pedir para o brasileiro negar o futebol
equivale a privá-lo de uma paixão secular. Seria o mesmo que fazer ressurgir a
Grécia Antiga e decretar o fim das Olimpíadas em seus domínios. Tal não seria
uma contradição?
Por tudo isso, nunca fui manifestamente contrária à realização da Copa do Mundo 2014 no
Brasil; sou contra, em qualquer tempo, aos descasos com as causas públicas; não
aceito um país sem políticas decentes de educação, sem hospitais aparelhados,
sem segurança nas ruas e nas casas. A Alemanha - como bem se viu em campo -
mantém a sua tradição de qualidade no futebol (vejam a história das Copas), mas
é uma nação com uma das maiores economias do mundo, educação exemplar e IDH
altíssimo [0,920 (Pnud 2012)], por exemplo. Isto quer dizer, em princípio, que não é o fato de um
país privilegiar (ou mesmo cultuar) este ou aquele esporte que atrapalhará sua
escalada para o progresso, como insistem alguns. Estes, os propaladores de
lemas inúteis como o "Não vai ter Copa" ou "Abaixo o país do
futebol", precisariam entender que extirpar tradições consolidadas de seu
país significa negar suas raízes identitárias. E ferir ou mutilar a identidade
nacional em nada irá ajudar nessa nossa corrida (já tão atrasada) para o
desenvolvimento.
Quanto à alegação de que nós, brasileiros, sustentaríamos - em nossa
carga de autoemoções tendencionistas - estigmas como a incorporação popular do
futebol, vale realçar: muito pior do que ostentar simbologias consideradas
baníveis, sem dúvida, é carregar nos ombros o peso massacrante de um fiasco em
certame esportivo entre nações! E que mal poderá haver em manter simbologias de
tradição cultural (muito mais que esporte, meramente, futebol no Brasil é rito)
se existirem, também, outros atributos essenciais e qualificativos de nação?
E foram sentidos, exatamente, a identidade nacional, o grito na garganta
e o amor à bandeira nessa grande lesão patriótica que foi a goleada de 7x1 da
Alemanha sobre o Brasil. Todos nós vimos acordar um nove de julho triste, com
transeuntes cabisbaixos, calados e envergonhados. Sim, a nossa vergonha é
grande, difícil de ser esquecida. Sentimo-nos humilhados porque assistimos a
uma espécie de pelada com emblema nacional! Foi o distintivo de nosso país -
ali representado em esfera internacional - que esteve em jogo literalmente o
tempo todo, a cada novo gol afundando a nossa rede...
Lamentavelmente, a seleção em campo - sem qualquer harmonia, desprovida
de habilidade e estabilidade emocional - em nada se assemelhava às seleções do
passado, de qualquer época - quer brilhantes, quer remediadoras. Então, que não
percamos o direito de chorar nossas mágoas de brasileiros vilipendiados em
nosso bem maior neste caso, que não é o futebol, e sim o amor pátrio. Apesar de
esmaecido - bem esquecido num cenário de cores e ultratecnologias contemporâneas
-, o nacionalismo ainda pode vigorar.
E - contrariando os que são contrários à Copa -, é justamente (e só,
infelizmente) em períodos como este, de campeonato externo, que os brasileiros
se vestem de verde e amarelo e relembram seus valores nacionais. Mas esse não é
um nacionalismo forjado; não foi algo que os organizadores da Copa (superfalhos
e altamente discutíveis) impuseram. Todos sabemos que houve contas astronômicas,
absurdas falhas estruturais, obras inacabadas, culpas, erros e prejuízos
gritantes da administração. Contudo, no Brasil desta Copa não houve a
manipulação popular prevista. Muito pelo contrário, foi essa mesma nação
futebolística que, ironicamente, se manifestou contra a realização do mundial
no Brasil (não falo aqui de movimentos orquestrados de rua). Faltavam poucos
dias para a Copa e não se via, em qualquer parte, entusiasmo por parte dos
brasileiros. E - apesar das dúvidas político-administrativas de entorno - eu me
perguntava por onde andaria a paixão nacional que eu aprendera, desde os
primeiros tempos, a ver como identidade num tal clamor verde e amarelo no
peito... No meu caso, não pelo futebol em si (sequer acompanho torneios
internos), mas pelo fato de a Copa do Mundo representar um congraçamento de
nações do qual faz parte o meu país.
Certamente, houve muitas coisas erradas na preparação do evento (e até
escrevi sobre isto no Yahoo), mas eu tinha a consciência de que seria preciso vivê-lo, a
partir do momento em que se deflagrassem as partidas com as nossas cores. De
repente, porém, com os ânimos emudecidos, torcer pelo Brasil num campeonato
internacional virou coisa politicamente incorreta. Mas repito que eu não estava
"no bolo". E confesso ter ficado aliviada quando vi a nação vestir,
literalmente, a camisa e gritar gol - nos prédios, nos clubes, nos
restaurantes, nas ruas e nos estádios. O clamor público não tem ainda - nas
atuais configurações - o poder de desmontes estruturais na mesma proporção de
seu vigor nacionalista. Então, que se viva a verve do patriotismo na melhor
roupagem nacional! Afinal, quem torceria pelo Brasil senão nós mesmos -
anfitriões e competidores do certame?
Visualizo na memória, sem dificuldade, a minha própria imagem num quadro de três décadas anteriores: eu estava de joelhos na sala quando Abraham Klein levantou o braço e cristalizou aquele 3x2 da Itália (leia-se: de Paolo Rossi) sobre o Brasil... Uma sentença trágica para os tantos milhões de brasileiros que tinham a certeza da vitória de sua amada (e imbatível!) Seleção Canarinho, aquela que encantava o mundo com a mágica inventiva e adoravelmente estética de um futebol-arte!
Este parecia ressurgir dos videotapes repletos de maravilhas do passado, dos lances inacreditáveis das históricas Copas de 58, 62 e 70.
Ora, o jogo derradeiro de 82 dos brasileiros na Espanha - na chamada Tragédia do Sarriá - nunca me saiu da memória, nem mesmo quando, 12 anos depois, aconteceu a aguardada revanche, na Copa de 94, nos Estados Unidos. Evidentemente, fiquei feliz com a vitória do Brasil, mas aquele resultado favorável nos pênaltis não matou em mim a dor-menina de um dia... Do mesmo modo, as crianças de hoje não esquecerão (jamais!) essa dor de goleada, capaz de deixar marcas indeléveis em seus coraçõezinhos nacionalistas. Igualmente para os que vivenciaram o "Maracanazzo", a lembrança de uma partida fatídica, perdida em cenário nacional, é como um estigma histórico, um marco inapagável no tempo do sempre.
Mas desta vez (e deixem que eu curta o meu doído sentimento
patriótico!), o baque foi maior. O gol que "Barbosa deixou passar",
como na acusação de muitos, num Maracanã recém-inaugurado, veio sete vezes maior,
se é que pode haver precisão nessa conta... Isso porque não perdemos um jogo
com dignidade, com um belo time em campo - como em 50 ou em 82 - e sim porque
perdemos em brio o mesmo número de lances, adagadas repetidas em nossa pele de
brasileiros, de guardiões nacionais - do futebol e da Pátria. E isso ninguém
poderá negar: guardamos agora mais um episódio-padrão de sofrimento
esportivo-nacionalista; acumulamos na História das Copas no Brasil -
precisamente na segunda realizada em solo nacional - um registro dos mais
marcantes e lamentáveis: a tragédia da goleada alemã no Mineirão!
Após tudo isso - dor vivida, coração brasileiro em frangalhos -, é hora
de entrar em aquecimento, novamente, para correr e lutar nos campos da
realidade. É preciso aprender a jogar melhor em todas as posições - Saúde,
Educação, Arte, Economia, Segurança Pública, Justiça, Agricultura, Tecnologia,
Turismo, Comércio e Indústria, Trânsito e Urbanismo - para uma vitória gradual
e completa.
Quanto ao esporte de Garrincha, Didi, Tostão, Pelé, Zico, Romário,
Ronaldo e Neymar, muito pode ser feito, com toda a certeza. Num país de
memoráveis talentos individuais - que certamente fazem a diferença em campo -,
é preciso remodelar sistemas, treinar equipes, regulamentar e bem administrar clubes
e federações. Urge que se desfaçam as oligarquias dos desportos e se implante
uma gestão transparente e precisa da CBF. Depois de arrumada a casa, por certo
não será difícil retornar aos tempos áureos em que o craque nacional exibia ao
mundo a ginga inigualável do brasileiro! E, então, será possível que o Brasil -
potencial e plausível campeão em escolas, hospitais, Plenário e sociedade -
volte a ser o "País do Futebol"! E com muita honra. Avante, Brasil,
que no mundo "não haverá Nação como esta"!
2 comentários:
Nossa!! Concordo com você! Precisamos de muitas coisas no Brasil, inclusive do reforço de valores. Nao adianta buscar novos progressos sem as referências de povo e cultura que já temos!! Viva o Brasil do folclore, dos símbolos e o Brasil da construção do futuro tambem!!!!
Adorei o texto e assino embaixo como brasileira! Temos raízes importantes. E o tradicional tem lugar. Podemos construir um país renovado com base no que fomos e somos.
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