Seu nome era Candice. Nome estranho, sem dúvida. Porém, ainda mais estranho era aquele bico-de-viúva que ela trazia na testa. Embora fosse uma mulher bonita, aquele desenho em forma de V capilar, tão profundo e bem no meio da fronte, tinha o poder de assustar quem quer que viesse a saber de sua história.
Era uma mulher alegre (alegríssima) em seus trinta e sete ou trinta e oito... por aí. E conservava uma tez bonita. Mais que isso, tinha um corpo de dar inveja às mulheres de Meu Rei, um vilarejo da Bahia. Mas não era só por isso que alimentava fofocas e burburinhos na praça, na igreja e na venda de Dona Alicinha. O que diziam as más – e as boas – línguas era que ela, amásia profissional, já estava no nono parceiro. Amásia pela prática da arte, não pela condição civil, pois nos seus casos a conversa passava sempre pelo cartório.
Sim, naquela vila de 889 habitantes no fim do mundo, uma balzaquiana estereotipada, usando uma maquiagem brega, com pinta no rosto e brincos esdrúxulos, era o protótipo da casadoura provinciana, um caso típico de colecionadora de maridos. O motivo? Além da natural aptidão de ninfomaníaca, era uma mulher desletrada que fazia das artes do corpo seu ofício de vida. Exercitava o popular "fazer a vida", sem, no entanto, viver numa casa de quengas.
Candice vivia na sua própria casa – grande, confortável, com oito ou nove janelões na grande fachada pintada de verde musgo. A casa era boa, mas a cor da pintura era feia, de grave mau gosto. No entanto, Candice estava satisfeita, satisfeitíssima com seu lar de parafernálias coloridas e algibeiras cheias. Isso porque, segundo diziam as visitas da mulher (que se aproximavam por puro interesse de conhecer sua vida de perto), algumas coisas chamavam a atenção na casa: a famosa “penteadeira da Candice” – enorme, tomada de perfumes e estojos de maquiagem; o baú de joias, a banheira margeada por uma coleção de essências e cremes; e – pasmem! – sete, oito, dez, treze... bolsas entreabertas lotadas de cédulas, como se podia ver... Bolsas coloridas e bordadas com miçangas... e recheadas! Ela guardava (mantinha) dinheiro assim aos olhos de todos! Mesmo vivendo numa pacata vila, corria permanente perigo de furtos e invasões. E, apesar da sorte de nunca haver tido a casa literalmente invadida por elementos perigosos, era voz corrente que muitos – amigas, empregados, aparentados, visitantes – se “davam bem” ao circularem em sua intimidade com acesso às bolsas cheias espalhadas pela casa.
Corria também à boca solta que Candice teria um cofre escondido – com dezenas de tabletes de ouro! Tudo começara por causa de um mimo de seu terceiro marido: Aurecindo, o ourives. Certa vez, ele dera à mulher um pendente de ouro 24K inteiramente cravejado de brilhantes, peça que Candice nunca mais deixou de usar, junto dos outros penduricalhos que carregava nas grossas correntes que davam voltas em seu pescoço. Por causa disso, a casadoura veterana adotou uma coleção de ouro a partir daí. Todos os “da vez”, além de a proverem com uma monumental conta bancária, eram intimados por ela a presentearem-na – no aniversário e nos desaniversários (como diria Carrol) – com mimos reluzentes, preciosos... e áureos! Joaquina, a empregada de onze anos de casa, apregoava ainda que vivia achando “sacolinhas de veludo com ouro em pó” nos bolsos dos casacos da patroa.
Corria também à boca solta que Candice teria um cofre escondido – com dezenas de tabletes de ouro! Tudo começara por causa de um mimo de seu terceiro marido: Aurecindo, o ourives. Certa vez, ele dera à mulher um pendente de ouro 24K inteiramente cravejado de brilhantes, peça que Candice nunca mais deixou de usar, junto dos outros penduricalhos que carregava nas grossas correntes que davam voltas em seu pescoço. Por causa disso, a casadoura veterana adotou uma coleção de ouro a partir daí. Todos os “da vez”, além de a proverem com uma monumental conta bancária, eram intimados por ela a presentearem-na – no aniversário e nos desaniversários (como diria Carrol) – com mimos reluzentes, preciosos... e áureos! Joaquina, a empregada de onze anos de casa, apregoava ainda que vivia achando “sacolinhas de veludo com ouro em pó” nos bolsos dos casacos da patroa.
Na verdade, Candice era obcecada por desejos materiais, desenvolvendo um perfil maníaco que poderia classificá-la como auréfila (quem tem amor ao ouro). E a insanidade chegou a extremos quando a mulher equipou a casa com cama, espelho, aparador e até pia de ouro!
– 881 – murmurou a amiga, referindo-se ao número de habitantes da cidadezinha... [Só
Candice matara 8]!
– Como? Não entendi... – fez-se de Joana-sem-braço a assassina sem dolo(?)
– Nada, não – e disfarçou Ernestina, aproximando-se da amiga e a consolando – O que importa é que melhore logo, saia logo desse tormento...
– Ah, Tina... Sei se vou sair dessa vez, não... Estou muito acabrunhada! – e esfregou o lenço nos olhos secos.
Candice estava com o olhar parado. Ernestina insistiu:
E Candice disparou:
– Vamo, gente, que a noite já vem chegando e quero ficar sozinha com Gastaldo pra dormirmos bem abraçadinhos!
Todos, afinal, se foram, apesar de muitos temerem pelo breve (e já condenado) resfolegar do próximo falecido...
Uma vez só, Candice sorriu seu sorriso ornado por dois dentes de ouro – um de cada lado –, aquelas joias bucais estranhas que mais pareciam duas presas de uma tropical Cleópatra.... E Gastaldo? Ah! Este não resistiu às torturas e à mordida (leia-se picada) fatal de Candice!... Famosa por matar os maridos com seus encantos pouco comuns, dando cabo de todos eles em menos de um ano de casamento, desta vez a mulher errou na dosagem – ou acertou em cheio, não se sabe ao certo – e o pobre do zangão da vez sucumbiu mesmo à primeira ferroada!
– Está assustado, é? Só porque você é novato na cidade! Se você soubesse, então, como morreu o quinto marido...
– Não pronunciem esse nome aqui dentro! Além disso, está na hora do cortejo. Não vão acompanhar?
Por Sayonara Salvioli
6 comentários:
Hauauaua!!!! Demais Sayonara!!! Show de texto!! Ainda não tinha lido nada seu nesse gênero. Sua personagem é hilária e o contexto muito legal e irreverente!! Adorei!!
KKKKKKKKK!!! RI MUITO!!!!! ADOREI!!!!
Não conhecia essa faceta da sua obra! Nada como escrever em todos os gêneros, minha escritora predileta!! Mas o estilo, quero dizer o contexto é o mesmo de um texto seu que já li aqui no blog e adorei!!! Até comentei naquele dia.
Não conhecia essa faceta da sua obra! Nada como escrever em todos os gêneros, minha escritora predileta!! Mas o estilo, quero dizer o contexto é o mesmo de um texto seu que já li aqui no blog e adorei!!! Até comentei naquele dia. Era um de um cavaleiro-fantasma numa cidadezinha.
Obrigada, Cláudia F. e Lena! Denise, agradeço a você pelo interesse na obra e adianto: esse estilo faz parte de uma coletânea bastante una e correlata em seus approachs. E você acertou: este texto é do mesmo (referido) conjunto do Cavalgada ao Quarto-crescente. Bem observado! Beijos.
Olá, querida Sayonara,
Antes de mais nada, devo registrar minha admiração por tão excelente currículo. E quanto ao estilo do texto, você o dominou com a maestria pupilada de Jorge Amado. A personagem é rica (sic!) em detalhes Muito bem construídos, tanto o ambiente quanto a estória como um todo. Foi prazerosa a leitura, e este é meu termômetro ao comentar uma obra: o grau do prazer que ela causa. Parabéns. Voltarei.
Abraço e beijo,
Daisy Carvalho
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