sábado, 26 de março de 2011

Não acredito que ela cresceu

Ilustração: D. Sean


Mãe,


Vou tomar um chope com as meninas. Não acione seus contatos da Segurança Pública, não ligue para a família inteira, não crie um mutirão de amigos para me procurar... Não fui sequestrada nem sumi no mundo: eu apenas estou no bar! ;)

Recebi esta mensagem pelo FB. Não, não sou comprovadamente louca nem minha filha vive em barezinhos, a bebericar por aí... Nenhuma das vertentes, com toda a certeza. Acontece que – espirituosamente como exige sua profissão (publicitária) – ela sempre encontra um modo sutil e bem-humorado para falar das coisas, especialmente para se comunicar comigo em meus espasmos emocionais de mãe ocasionalmente desvairada (risos envergonhados)... No caso, ela queria apenas me avisar que chegaria mais tarde, temerosa de uma reação incontrolada de minha parte.

Imagine o leitor que ela já passou dos 20 anos, é formada em Comunicação Social, trabalha e namora, mas inconscientemente eu penso que ela ainda é criança!... Muito provavelmente, você deve estar se inclinando à certeza de que sou louca o tempo inteiro, mas posso afirmar – quase pragmaticamente – que só de vez em quando. Além disso, minha aparente insanidade pode ser suavizada por alguma dessas assertivas:

a) Porque fui mãe muito cedo, antes dos vinte anos;

b) Porque tive uma educação repressora e, ante isso, tenho o ímpeto do supercontrole maternal;

c) Porque penso equivocadamente que amor de mãe tudo resolve;

d) Porque passei por um trauma há seis meses e, em vista disso, às vezes vejo perigo onde não existe;

e) Porque sou maluca mesmo, e ponto.


Errou se marcou a letra e; a alternativa "mais correta" é a d. Desde então, com as incógnitas surgidas de um confronto vital, passei a ter umas reações cotidianas de medo exacerbado. E um destes é uma espécie de desespero momentâneo a cada vez que minha filha chega em casa mais tarde que o usual. O assunto é sério, mas atinge as raias do ridículo quando me vejo acometida pelos tais pavores sazonais!...

Colabora para essa minha sensação – uma impaciência apavorante diante da espera – o fato de que a moça em questão sofre de excesso de juízo: é extremamente sensata, tem a rotina totalmente programada, com horários e atividades absolutamente regulares. Portanto, um atraso seu pode parecer motivo real de pânico! É claro que a tal síndrome ocorre esporadicamente, mas o fato é que, vez por outra, quando o relógio se adianta à minha filha, um pavor quase incontrolável toma conta de mim... Então, reajo com contrapartidas veementes, típicas de louco perigoso quando se sente acuado (risos conscientes)... Assim, na vez mais recente, fui capaz de:

1. Ligar para um contato amigo da cúpula da SSP - Secretaria de Segurança Pública do Estado - e deixá-lo em stand by para o caso de alguma necessidade de procura;

2. Acessar pelo Facebook três de seus amigos próximos e, em seguida, telefonar para eles pedindo que tentassem falar com outros amigos, a fim de localizá-la;

3. Pensar que ela havia se revoltado com a minha recente instabilidade emocional e se decidido a não morar mais comigo, a ponto de se evadir por aí;

4. Quase sair de casa sem destino, à sua procura, a divagar por locais próximos de seu trabalho, em franca e atirada atitude investigativa.

Ainda bem que o item 4 não foi consumado por mim, talvez em decorrência de minha boa memória. É que no ataque esporádico anterior, uma ou duas semanas antes, a partir de vinte e um minutos de seu atraso, fiquei nervosa e sem saber o que fazer. Aí andei pela casa em ziguezague, e, após um trajeto imaginário de alguns quilômetros em ambiente interno, me convenci de que havia feito uma caminhada, e fui tomar outro banho. Fim de contas: como o banheiro do meu quarto é o ponto mais distante da porta de entrada do apartamento, ela chegou, e - estando sem chave -, tocou e tocou a campainha, e eu não pude ouvi-la. Além do problema da distância para uma propagação eficaz do som, eu ainda estava debaixo do chuveiro e imersa em meus pensamentos: Meu Deus, onde ela andará?... O que terá acontecido?... Ela cresceu e não quer mais morar com a mãe... Nesse ínterim, ela teve tempo de jantar num restaurante próximo, foi a um cyber café das imediações para ver se me encontrava on line, e foi e voltou, foi e voltou... três ou quatro vezes até a portaria, vezes essas em que o porteiro reiteradamente lhe disse: “Sua mãe não chegou ainda, não”... Afff! Ela estava uma fera! E eu em casa, desesperada, ligando para a família!... Ou seja, recém-saída do banho ensurdecedor, ainda tive a infeliz ideia de ocupar o telefone, como se não bastasse o fato de ela estar com o celular descarregado... Uhhhlllll!

A solução para o mistério se deu com uma de suas sempre providentes atitudes: ela voltou ao restaurante e pediu para carregarem o seu celular... e viu uma de minhas 29 chamadas, concluindo pela bina que eu estava em casa. Resumindo a ópera: foi por causa de episódios como os narrados que ela me mandou pelo Face a mensagem que abre este post.

Limpo um pouco a imagem que você está fazendo de mim com a feliz notícia de que estou me curando... E aviso a possíveis sequestradores de plantão que ela não mais se atrasa, e que, de qualquer modo, tenho sua rota monitorada (risos plácidos)... Olho vivo!

Por Sayonara Salvioli

11 comentários:

Belzinha disse...

Hilário!!!!!!!!!!!! Muuuito engraçado, mas com uma verdade por trás, que é um grande amor de mãe!!!!

João Henrique disse...

Só gostaria de saber uma coisa: é exagero ou não???

Elisa B. Pereira disse...

Crônica deliciosa, Sayonara!! Li num fôlego só, como aliás faço com todos os seus textos, em qualquer gênero.

Talita Moraes disse...

Nooossa! Vi minha mae em você agora! haha Tantas saudades! beeeijos

Janete Medeiros disse...

Acho que eu entendo a mãe apavorada...rs Também...com uma filha assim, que nunca se atrasa, um dia fora da rotina é pra preocupar mesmo!! hehehe Mto legal!

Cláudia F. disse...

Minha escritora querida e amiga,
Você... continua a mesma, apesar da sabedoria dos anos.
Vendo você assim...essa mãe desvelasda e louca, me dou conta da sua sensibilidade e também de uma certa leveza com a vida...Porque nem o conhecimento nem a intelectualidade nem a sua postura formal de escritora conseguem lhe tirar a pureza quase infantil, a candura enorme que acaba de demonstrar. Sou sua amiga de anos, mas tenho que repetir o que diz aquele nosso amigo: "não sei se você é uma anciã sábia, de 90 anos no pensamento, ou a menina sapeca e espevitada que sai por aí a fazer graça no mundo". Nunca sabemos a sua idade mesmo; mil personalidades em uma. Você sempre nos surpreende, Dona Sayonara. Raquel, apesar dos sustos, é feliz por ter uma mãe assim.
Bjss

Emir Larangeira disse...

Será que a história é verídica?... Hum... Parece-me ficção de altíssima qualidade traçada por quem sabe trabalhar a palavra com maestria. Ou será que a mãe é diferente da escritora? Não sei... A escritora, sei, é nefelibata de carteirinha; já a mãe... Fico na coluna do meio... Embora a mãe... Hehehe...

Geraldo Faria disse...

Sayonara,
Responda a pergunta que não quer calar: É VERDADE OU NÃO É??

Gunter Axt disse...

Hehehe...ótimo! Parabéns!

SUANI disse...

AMEI !!! VC. É 1000....

Alan Victor Bauer Nic disse...

Fantástico esse amor materno que é preponderante na vida de cada filho. Seja excessivo ou não...rsrsrsb