quarta-feira, 30 de junho de 2010

Verba sequuntur rem


Nem tão morta assim a precursora língua... Afinal, inúmeros são os ditos em Latim que – em concomitância com seu significado e expressão – tanto se aplicam ao contemporâneo. Considero apropriada esta sentença, por exemplo: Verba sequuntur rem, isto é, as palavras seguem a coisa. Como assim? Simples: atrelado à chegada de um objeto a um contexto sociocultural, automaticamente o seu nome – o novo nome, a novidade linguística – virá junto. Essa deve ser uma das causas essenciais de renovação da língua, na propagação do que poderíamos chamar, genericamente, de modismos linguísticos, e não apenas de estrangeirismos/empréstimos, dada a peculiaridade de enfoques.


Exemplos bem atuais dessas novidades e incorporações linguísticas são os termos vuvuzela e jabulani. Ora, um campeonato esportivo mundial pode inovar tanto assim o léxico nacional? Certamente que sim. Linguistas os mais diversos – apesar de eventuais divergências – concordam quanto à sua amplitude e à sua flexibilidade. Alguns, inclusive, defendem que o léxico – analogicamente à sintaxe – é suscetível de claras transformações em seu contexto, por vezes, metamorfoses sociais de toda uma comunidade, o que se configura em atualização, em não-conservadorismo, em renovação para uma língua.

No caso de uma língua como a nossa, tão vasta e peculiar, muitos foram os modismos e empréstimos linguísticos, creio que agregados em função da influência de temporalidades socioculturais. De 15 mil palavras durante a Idade Média até as 400 mil “computadas” atualmente, o Português passou por significativa ampliação, no acolhimento gradual de estrangeirismos e empréstimos de linguagem. Ao longo de séculos, importamos termos de idiomas de diversos povos, cujas culturas se mesclaram às nossas, de algum modo. Assim foi que ganhamos e adotamos expressões do Francês, do Inglês, do Árabe e do Italiano. Ora, o homem e seu idioma se adaptam às modificações de seu meio. Assim como facilmente detectamos o elemento arquitetônico francês na paisagem urbana do Rio de Janeiro, vemos também claros reflexos estrangeiros – por vezes sazonais – na linguagem, na roupagem do idioma. Parece bastante natural que a influência das artes e das línguas sofram (ou acolham?) o choque da aculturação, da mescla saudável e complementar da fusão de povos. Não por acaso já incorporamos vocábulos de modo tão agregador que sua aderência à nossa língua já se fez natural, e certas conotações estrangeiras já foram banidas de nosso entendimento espontâneo. Alguns dos maiores clássicos (abat-jour/abajur, chauffer/chofer, atelier/ateliê, buffet/bufê, shampoo/xampu, sandwich/sanduíche, football/futebol) demonstram bem isso. Nesse sentido, chega a ser incompreensível a opinião de Rui Barbosa ante o condenável galicismo de Eça de Queirós. Salvo o devido respeito ao mais que notável Águia de Haia, não é possível concordar com as restrições por ele impostas quanto à adoção e ao uso de elementos de outros idiomas no contexto da língua portuguesa. O que não dizer, então, do arbitrário projeto de lei – na atualidade brasileira! – intentando o fim da incorporação de qualquer estrangeirismo ao nosso idioma? Como no já quase vício-expressionismo linguístico: sem comentários.

De Rui até a era da Internet, então, a influência e o ingresso em nossa língua de termos advindos de outros idiomas e culturas se deram de modo tão vasto e galopante que hoje um sem-fim de termos cotidianos remete a outras etimologias. Aqui se lembre que, ao tempo do grande jurisconsulto e filólogo, os vocábulos em português se mantinham num universo quantitativo de 90.000 vocábulos. Cerca de cem anos depois, a quintuplicação desse número dá conta de uma avalanche de novidades linguísticas – distribuídas em glossários tão específicos quanto variados – capazes de alcançarem o interesse de qualquer sábio! Desde o âmbito de recursos humanos, produção e marketing (empowerment, benckmarking, headhunter, coach, lean production, downsizing, stock options etc.) até a tão propalada área de tecnologia/informática (download, backup, setup, bitmap, firewall, hardware, software, netscape, usenet, e-mail, e-commerce, login, log off, hacher, cracker etc.), os glossários específicos no idioma universal passaram a fazer parte do vocabulário cotidiano dos brasileiros. E, obviamente, se torna impossível não abarcar tais inovações, afinal constituem terminologias já inerentes à nossa prática diária de ações. Você, por exemplo, acha absolutamente normal falar mouse, claro, como se este vocábulo fosse "um dos nossos". Aderência natural.

Além da necessidade de se nominar esse sem-número de tecnologias que invadem a atualidade, também chamam a atenção implementações ocasionais. Voltando à vuvuzela e à jabulani, são exemplos típicos das tais novidades linguísticas que – no caso por influência de contexto e evento – se incorporam à fala e à escrita cotidianas. Em vez de vuvuzela, o nome de atribuição ao (irritante) instrumento sonoro poderia continuar sendo, simplesmente, corneta. Mas poderosas influências mundiais de marketing, oportunamente, conseguiram imprimir ao objeto já conhecido toda uma conotação (e denotação) contextual, na intenção de que o vocábulo expressasse um momento, um local, uma forma de expressão aclamadora, voz de torcida, emoção coletiva. E isso com características genuínas de seu “berço” (vuvuzela é um vocábulo da língua banta zulu – isiZulu –, uma das 11 da África do Sul), no nome e no significado, já que o instrumento de som também teria sua origem no país da Copa do Mundo de Futebol 2010. Precursoramente confeccionada por tribos ancestrais sul-africanas, tinha no início a função de chamar as pessoas para reuniões. Agora tão oportunamente difundida num mundial esportivo, seu uso remonta também, em tempos recentes, aos famosos jogos das equipes de futebol sul-africano. Assim – tal como na sentença latina que inicia este texto –, o nome acompanha o objeto. E na incorporação da personal corneta aos jogos da Copa, veio de encomenda o seu nome, peculiar e característico, configurando hoje modismo linguístico atualíssimo no Brasil do futebol.

E a jabulani (aqui, já com j minúsculo, uma vez alçado o vocábulo à condição de substantivo)? Esta também tem a África do Sul como berço, sobremaneira, inspirador. Trazendo, em suas onze cores, a representação das diversas etnias e dos dialetos sul-africanos, a bola – de consistência leve – também traz no significado do nome a leveza da festa esportiva, significando celebração. Por certo, a nominação não poderia ser melhor, já que evoca a participativa competição esportiva que congrega 32 países, na fusão simbólica, vocabular, solidária e ideológica de diferentes nações.

Em meio a toda essa festa linguística internacional, a melhor lição do que se poderia chamar de internacionalidade linguística – que nada atenta contra a supremacia de um idioma – é a função de enriquecimento de línguas e culturas quando entrelaçadas. No fim de contas, quando dialogam duas línguas entre si, heranças múltiplas e milenares poderão surgir de elementares interseções. Então, não chamemos de cabal utopia o sonho (utópico mesmo, mas com aspectos consideráveis) de Lennon. Nem deixemos de acreditar na profecia de Gilberto Freyre: quem sabe o Inglês não incorporará, algum dia, o nosso personal vocábulo saudade? Depois de – em contrapartida à importação de vocábulos – podermos constatar portuguesismos lá fora, tudo é possível!... Haja vista a exportação de samba e bossa nova (não me refiro aos ritmos e, sim, às palavras que os designam). Divagações à parte, o bom mesmo é celebrar – preferencialmente com todas as letras, em diversas expressões idiomáticas – a festa ideológica da coesão! Afinal, a soma sempre redunda em crescimento, em amplitude. E no universo idiomático isso não pode ser diferente.

Por Sayonara Salvioli

P.S.: Você pode estar se perguntando por que eu, em minhas registradas preleções filológicas, ao me referir a modismos linguísticos não falei de gírias ou dos tais surtos ocasionais de expressões (indevidas) que viram moda. Quanto às primeiras – as já consagradas em contextos socioculturais de uma época, as populares gírias, isso é matéria para um post inteiro, ante a opulência e diversidade do tema! E sobre os tais surtos de expressões, modismos indesejáveis, lembro aqui o reiterado uso de a nível de (erroneamente, inclusive), a/essa coisa de (lembra-se?), no sentido de (em vez do uso simples e adequado da preposição para) etc. Exemplos como estes últimos, na minha opinião, resultam em usos equivocados e massivos, muito mais se aproximando de feições viciosas de linguagem, na forma e no conteúdo.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

A beleza comove



Descobri, há pouco tempo, que a beleza comove. Tive esse insight no cinema.
Você pode pensar que tenho mania de teorizar tudo, mas o que me move nesse sentido é a constatação de determinado axioma – que ainda não foi detectado – diante de situações as mais variadas. Essa ideia, por exemplo, de que a beleza comove tem suas bases no fato de nos enlevarmos diante do belo, de tal modo que aquilo nos atinja em cheio. Talvez seja por isso – apreendi – que gostamos tanto daquilo que é bonito: porque tal objeto nos agrada tão profundamente que vai habitar o âmago de nossos desejos. Note, a respeito, o que você sente quando olha a paisagem de um lago na Itália, uma obra de arte, a foto de um bebê de revista ou a belíssima fotografia de um filme de amor. Eu já ouvi alguém dizer, por exemplo, que quando está em Roma, diante de tanta beleza, se sente tão feliz que é como se tivesse a alma elevada, o que faz brotar em seu rosto um espontâneo sorriso, de deslumbre, de enlevo! Essa é, sem dúvida, uma acepção da tal beleza comovente.
Em outra linha de percepção da chamada beleza, você pode sentir algo semelhante ao se deparar com a cena de seu astro de cinema predileto ou, meramente, de alguém de seu círculo que você admira ou de quem você gosta sem fazer força. O mesmo poder da beleza você sente diante de uma vitrine, onde se expõem objetos de seu desejo, aqueles elementos materiais que fazem parte do seu chamado sonho de consumo. São estes, em princípio, objetos belos, que lhe fazem bem ao olhá-los. Que mulher não fica feliz, por exemplo, ao contemplar um colar ou adereços reais, majestosos, numa joalheria ou num museu? Quantas vezes você, mulher, não está cheia de pressa num shopping, com os minutos contados para algum compromisso, mas ao ver uma roupa bonita em uma vitrine, volta alguns passos somente para admirá-la, mesmo sabendo que não terá tempo sequer de experimentá-la? Nesses momentos de contemplação, a tal convencionada – e admirada – beleza lhe traz, talvez em mensagens subliminares, o ímpeto ou a necessidade de aquisição. E é esse desejo de tomar tais coisas para si que comprova a inegável sedução da beleza.
Todas essas situações têm uma coisa em comum: o fato simples de a beleza que você vê poder conduzi-lo a algum tipo de sentimento. E é por isso que eu digo que a beleza comove. Você talvez nem saiba por que aquela visão lhe agrada tanto, mas – se fizer uma autoanálise – poderá descobrir que é porque ela penetra a sua comoção, de alguma forma.
O belo causa comoção na medida em que certa visão lhe apascenta a alma, e, assim, momentaneamente lhe traz algum tipo de paz, felicidade, aconhego... e lhe retorna ocasionalmente à lembrança! Belo que é belo, na sua acepção verdadeira, tem o poder de chamar fortemente a sua atenção, imiscuir-se na intimidade de seu pensamento e instalar-se na casa de sua memória. É por isso que acredito que o belo atrai as pessoas, não simplesmente pela plástica da imagística, mas sobretudo porque pressupõe uma carga imensa de emoções decorrentes. A força da beleza, pois, consiste nas consequências de proximidade e atração que a sua impressão traz. Seus olhos absorvem determinada visão na contemplação-comoção que, de tão bela a seu ver – enfatize-se ainda uma vez –, abarca toda a sua alma!... Por isso é que tal beleza impressiona tanto.
Entendi isso quando parei para pensar – reitere-se – por que as pessoas, por vezes, ficam tão enlevadas diante de um objeto, imagem ou pessoa. Ora, porque esse objeto, imagem e pessoa não são apenas bonitos e ponto. Não basta que seu objeto de desejo seja bonito apenas: tal objeto precisa ser bonito mais além, na extensão da percepção, do sentimento e da adoção, por parte da pessoa que vê, desse paradigma de beleza singular. Deve ser por isso que uma estrela pop, por exemplo, é capaz de angariar fãs, atrair multidões e estimular a aquisição de produtos com a sua marca. Tudo por causa, primariamente, do carisma emanado por sua personal beleza. Sim, porque a mensagem subliminar da beleza estabelece uma codificação imediata com a sensibilidade do espectador-admirador. Então a beleza o faz viajar na apreciação daquele sorriso, daquele olhar, daquele brilho imenso que caracteriza tal imagem. E deve vir acompanhada de qualidades outras, aquelas que implicitamente se fazem sentir a partir da bela acepção inicial de seus olhos.
Após tantas especulações, creio que se possa dizer que a beleza – a verdadeira – passa uma mensagem implícita de atração e adesão. Não por acaso os helenos criaram protótipos artísticos de estética e encheram seus palácios e templos de representações belas do humano. E até hoje você e eu, quando ouvimos falar da Grécia Antiga, logo somos reportados à imagem da beleza.
Falando nisso, logo me vem à mente – provindo direto do imaginário greco-romano – o mito de Narciso, encantado que ficou com a sua própria imagem refletida no lago. O nome Narciso, aliás – originário do vocábulo grego narcose – significa entorpecimento, ou a possibilidade de algo nos narcotizar, nos envolver numa espécie de torpor ou encantamento. E aqui se realce, ainda uma vez, a comoção causada pela beleza, vista aqui por um outro ângulo, já que a minha premissa básica nesse silogismo se refere à beleza que contemplamos no exterior, ou seja, para muito além de nós mesmos. Aliás, nesse sentido se posicionou Mc Luhan, que afirmou, a respeito, que os seres humanos se encantam por algo externo, uma extensão de si mesmos, em qualquer material ou existência que não sejam eles próprios. Ou seja, buscamos essa beleza-fascinação para além de nossos olhos. Assim, o filósofo-educador sustentou que Narciso viu algo a mais naquele mítico lago: ele teria enxergado não a si próprio, mas a extensão do próprio homem. Nesse sentido, creio que possamos dizer haver Narciso se fascinado com a imagem refletora do ser humano. Comoveu-se, pois, com a beleza humana.
Ninguém, afinal – pelo menos em princípio – poderia dizer que não aprecia o belo, visto ser este uma emanação ou captação do sentimento do mundo. As pessoas, muito naturalmente, gostam de estar num lugar bonito, de habitar um ambiente enfeitado com belezas, de vestir roupas bonitas, de apreciar pessoas igualmente belas, dessas que apascentam o olhar...
Não estou aqui dizendo que o convencionadamente belo é o que há de mais importante. Não é isso. Ele precisa de acessórios, qualidades outras, que devem pressupor, por exemplo, atributos refletores de beleza interna. Note aqui que até as qualidades ditas de espírito – que nada têm a ver com aparência – na hora de serem nominadas, recebem o nome genérico de beleza interna. Se preconcebemos isso como verdade absoluta, deve ser porque não gostamos ou não aceitamos como bens e desejos objetos que não sejam belos, afinal todos buscam o belo na infinitude do olhar. E nem é preciso ser um esteta para isso. Quando se é, então...
Lendo esse meu pensamento – será que é mesmo uma descoberta digna de teorização? – você definiu o tal sentimento de beleza? Sim, porque a beleza é, antes de tudo, um sentimento, cuja contemplação é ditada por um seu direcionado olhar. Identificou-se, pois, com o tal sentir? Relacionou aí na sua lista de lembranças algo que, de tão belo, atingiu o seu sentimento? Se a resposta for positiva, você concorda comigo que a beleza comove. Sinceramente, eu acho mesmo que sim.


Por Sayonara Salvioli




quarta-feira, 23 de junho de 2010

O QUE FICA PARA SEMPRE...


Quando morre um escritor, é como se o mundo ficasse mais vazio... E fica mesmo: forma-se um vão temporário daqueles sentimentos e expressões que, peculiarmente, aquele artista das letras possuía. O mundo fica mais triste, e as pessoas – seja de que área da diversidade humana forem – adotam um emblema de luto respeitoso, de silêncio reverente. Afinal, um escritor normalmente tem a peculiaridade de emocionar, de aproximar os espíritos humanos. E, por isso, é como uma dádiva para as pessoas: estimula, esclarece, embevece e aquieta os corações.

Lembro-me, com perfeição, de quando morreram Drummond e Vinícius. O mineiro de Itabira deixou a esfera terrena quando eu tinha 19 anos; já o poetinha partiu quando eu era ainda criança. Mas ambos deixaram, no momento em que se foram, um vácuo em meu coração. Na verdade, era como se os conhecesse, já que viajara tanto na sua emoção, passeando pelos recônditos mais profundos de sua sensibilidade. Da morte de Drummond eu soube pela TV; uma reportagem do Jornal da Globo trazia alguns de seus versos e lembranças mais notáveis. E eu lamentei profundamente não tê-lo conhecido. Esbocei-lhe alguns versos e descerrei sentidas lágrimas. Sete anos antes, em 1980 (precisamente  julho de 80), o mundo perdia o homem Vinícius. Sim, porque o poeta – apelidado imorredouramente de poetinha – este viveria (reinaria) para sempre! Nos versos e canções, na prosa elegante, profunda e sofisticada! Vinícius vive e revive cada vez que se escuta Bossa Nova, que a garota de Ipanema vai ao mar aqui ou toca em Nova York ou em Hong Kong. Tudo será infinito enquanto durar, ou seja, no tempo vasto do sempre. E é nessa temporalidade, a um só tempo relativa e absoluta, que o vate me encanta. E descubro, mais e mais a cada dia, como ele tinha razão!...

Essas duas mortes – do itabirano ferrenho e do carioca boêmio – me marcaram com a agudeza das lembranças fortes das tristezas inevitáveis... E agora morreu Saramago, um escritor-mago da nossa contemporaneidade atribulada. Considerado o grande artífice do reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa, o escritor tratou de temas históricos, sociais, filosóficos... e de impasses do mundo com uma pena extremamente personal, capaz de registrar em sépia as diversas nuances do espírito humano. Coerente e lúcido, foi – segundo o crítico norte-americano Harold Bloom – um dos últimos gigantes do gênero romance nas sociedades contemporâneas. E Saramago acreditava nos faltar o exercício mais amplo e continuado do pensamento (“Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma”). Com esse enfoque analítico, foi um dos grandes e atuais proponentes artísticos da reflexão e de uma filosofia estética, com conteúdo, forma e proposta. Ao falar do que sabia, sabia como fazê-lo. É isto, pois, característica de um nato e respeitabilíssimo escritor. E, com essa forte condução, ele nos levava em seu passeio, nos enredava em seu enleio. E a ficção se fazia mais realidade e oportunidade. Oralidade e retórica como que condensadas a serviço da escrita!

Percebi que o mundo se emocionou bastante com a morte do célebre e admirável escritor português – um Prêmio Nobel de Literatura –, um arauto contemporâneo de dilemas de contexto. Mas também – creio veementemente! – que se pôde entender o quanto dele permanece entre nós, algo como uma sombra projetada junto à cadência ritmada do caminhante: deixou os vestígios, em suas obras – seus pensamentos, suas ideologias –, que irão nos conduzir nas buscas e descobertas de mundo.

Enfim, Drummond, Vinícius e Saramago – e quaisquer que sejam os ícones imortais das letras, tornados luzes na nossa acepção intelectual de todos os dias –, eles reinarão para sempre: na página, na nossa mente analítica e na emoção dos leitores – ávidos, férvidos, apaixonados!...

Por Sayonara Salvioli

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Tributo a Graham Bell


Poucos inventores da humanidade me parecem ter tanto mérito quanto Alexander Graham Bell. Apesar da controvérsia histórica entre ele e o italiano Antônio Meucci – que teria, supostamente, vendido a patente do telefone para Graham Bell –, a ele continuo creditando a minha telealegria na constância dos dias.
Ora, nem mesmo posso imaginar como seria o mundo sem telefone, pois entendo que, tecnologicamente, ele é a medida mais próxima de uma saudade, de um reencontro, de um anúncio de vitória, de um comunicado de simples ou importante notícia. Mesmo na era da virtualidade – em que a web parece demarcar todos os caminhos possíveis – ainda pego o atalho da voz que se escuta a distância, pelo fio da telecomunicação. Para mim, nada substitui o “tempo real” de uma discagem imediata, dessas que trazem o interlocutor para tão perto que é como se ele compartilhasse o espaço-tempo presente. Meus pais moram a 300 Km de distância (sou filha única) e me sinto próxima deles graças ao telefone, que nos interliga cerca de cinco vezes por dia.
Aqui se lembre que as novas implementações e plataformas congêneres – todas! – partiram da ideia precursora de Graham Bell. Quanto ao significado de virtualidade, antes mesmo que o termo fosse aplicado com a acepção que tem hoje, o utilizei e absorvi, de antemão. Trabalhei, desde há muito, as amplas potencialidades da web. Considero-me, assim, uma boa adepta da filosofia do internauta. Mas faço uso convencional do telefone, independentemente de novas acoplagens que são feitas hoje, na mesclagem interativa de instrumentos de comunicação. Nunca abandonei a antiga mania de acessar o “objeto de desejo a distância”, teclando os números do acesso imediato. É claro que o e-mail e seus similares (mensagens do FB, conversas por msn) – sem os quais já não se pode ficar – constituem uma revolução de costumes, mas, em certos casos, nada como a voz e a presença que se detectam de imediato. E isso, mesmo que sob novos formatos (o skype, por exemplo, com a implementação da imagem), é, sem dúvida, a grande herança de Graham Bell, meu cientista benfeitor predileto.
Tenho dois telefones residenciais e dois celulares. Há pessoas que me perguntam: “Mas para que tanto telefone?” Para me comunicar, ora. Necessito disso como quem precisa de complementos de energias: preciso da voz que está do outro lado, necessito da notícia que se situa a quilômetros de distância...
Também sou daquelas pessoas que ligam para os amigos só para saber se estão bem, o que se passa em seu cotidiano, se há algo de novo e revolucionário em suas vidas para contar!... Não ligo, como a maioria das pessoas (segundo dizia Vinícius), para pedir algum favor ou falar de algo exclusivamente meu, e sim para saber, simplesmente, como vai aquela pessoa... Ainda segundo o poetinha – que, você há de convir, é um parâmetro e tanto! –, esse interesse espontâneo sobre as pessoas configura qualidade rara (e olhe que eu nem imaginava tanto... pensava até ser normal a atitude), estabelecendo-se somente entre amigos de verdade. E, com toda a honestidade, acho que sou uma boa adepta da manutenção desse liame, dessa corrente de lealdade que não se perde com a distância. Assim, apesar de eu ser um pouco cíclica em minhas aparições mesmo entre as pessoas diletas (leia-se aqui o meu sumiço ocasional), sempre reapareço, de preferência com um longo e detalhado telefonema – horas a fio no fio de Graham Bell!
Hoje mesmo tenho uma lista que suplanta meia dúzia de amigos queridos com os quais necessito manter contato urgente. Dentre eles, uma amiga que aniversariará no segundo decanato de julho, e cujo aniversário não esperarei chegar para ouvir a sua voz. Aqui também lembro uma outra amiga que, depois de uns dois anos sem conviver comigo (compartilhávamos a rotina colegial), me ligou e ficou, pacientemente, me escutando (ela é muito introspectiva)... até que eu dissesse: Mas fala você um pouco agora... Estou aqui falando o tempo todo e você sequer pôde me contar o que talvez deseje! Ao que ela disse: Não, não; fala você. Eu liguei pra isso mesmo: pra te escutar! Bonito, não? E aí eu falei e falei, como é de meu feitio, e demos boas risadas.
Já passei, literalmente, horas seguidas matando saudades de amigos e familiares por telefone, ante a narração de detalhes os mais efusivos!... E penso que – em pontos equidistantes – nenhuma ligação pode ser mais forte e cristalina que a propiciada pelo inaugural telefone. Afinal, a ideia da comunicação a distância surgiu do engenho de Graham Bell. E a telecomunicação é, sem dúvida – na esteira das grandes deduções e invenções humanas – o instrumento mais próximo de duas realidades opostamente espaciais. Afinal, notas e arquivos sonoros parecem guardar todo o DNA de fraternas e emblemáticas relações humanas...
No fim de contas – mesmo com os novos apetrechos comunicacionais –, quando a saudade aperta, a preocupação é grande, a notícia é urgente ou o comunicado é importante, todos recorrem mesmo ao velho e bom telefone... Teclam-se com rapidez e energia os números da mágica telecomunicacional e, instantaneamente, se dá o recado, e em decorrência... se comunica o fato, se consuma o ato, se assina o contrato... se dissipa a dúvida, se esclarece o momento e se providenciam soluções, encontros, reuniões, possibilidades!
Meu tributo, pois, a Graham Bell, por esse serviço inestimável que ele prestou à humanidade! Todos elogiam tantos ícones da Ciência... e ele passa batido, esquecido até quando... toca o telefone! Que se faça, afinal, justiça a seu prodígio!
Por Sayonara Salvioli

P.S.: Que tal se, em vez de endeusarmos ícones de ciência e tecnologia mais recentes, recorrêssemos à lembrança de verdadeiros precursores de épocas de obscurantismo, que - como Graham Bell - contribuíram para melhorar o mundo? Thomas Alva Edison, por exemplo. Você já parou para pensar em como seria o mundo atual, seu trabalho, sua casa... sem os fios da eletricidade, que conectam seu cotidiano a todas as parafarnélias sem as quais você não saberia viver... a começar por este computador aqui?

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Confirmando Goethe



Dentre as célebres sentenças do genial escritor e pensador alemão Johann Wolfgang von Goethe, talvez não se lhe atribua, comumente, aquela em que ele fala da amizade comparando-a aos títulos honoríficos: “...quanto mais velha, mais preciosa”.

Eu era bem pequena quando a li, pela primeira vez, num livro de pensamentos. Lembro-me que, no mesmo instante, me pus a pensar sobre a profundidade daquela reflexão. E, apesar da natural inconsistência infantil, desde aquele momento procurei valorar as amizades e os sentimentos sólidos, datados, com certificado de autenticidade e selo de ouro. Pensei, primeiro, na minha família; depois nos amigos da escola e, por fim, nas pessoas que conviviam comigo – em casa, no bairro, na cidade – e que me faziam tão bem.

Você pode estar imaginando se uma criança pode pensar tais coisas, ao que respondo: pode, sim. Eu devia ter uns oito ou nove anos, e já tinha opiniões e vontades razoavelmente firmes para a idade; já lia alguns clássicos da Literatura e, mesmo, exercia meus desejos mais veementes junto a meus pais. E esses atos não constituiriam algum tipo de vantagem extraordinária se comparados ao que vemos hoje nas crianças, em sua apreensão e evolução cibernética, por exemplo. Contudo, afora tudo isso, o mais importante para essa discussão é o teor de profundidade – de análise ou sentimento – que se pode atribuir a uma verdadeira amizade, dessas que se alicerçam na distância dos anos. Falo também daquela nostalgia boa e suave que rememora a turma do colegial, as alegrias insubstituíveis de uma época!

Foi em alusão à sentença de Goethe que ontem relembrei velhas e adoráveis amizades, que realmente não se perderam na linha do tempo! E, por incrível coincidência, um dos amigos de que mais me lembrei (aquele engraçadíssimo, que fazia a turma inteira rir!) – e com quem não falava havia aanoosss! – me ligou hoje. Disse-me: Lembrei-me muito de você ontem. Senti que precisava te ligar. Não é incrível? Pois já estou até acostumada a tais arroubos intuitivos... Mas a prévia intuição não diminuiu o impacto da surpresa do dia. E ali estávamos nós, meu velho amigo e eu, relembrando alegrias e abobrinhas antigas pelo fio de Graham Bell (aliás, a este devo um post gigantesco!).

E meu amigo de escola, trazido num fio de saudade pela ternura dos anos, me fez pensar numa grande galeria de amigos – revi seus rostos e atitudes na lembrança –, todos (e individualmente) marcados por suas características pessoais tão definidas. E atentei para o fato feliz de gostar das pessoas por seus atributos pessoais, suas qualidades próprias e notáveis. Afinal, quão fascinante é o registro de individualidade nos humanos! Já parou para pensar no quanto ama seu amigos por tais e tais qualidades – e até defeitos?! – que lhes são inerentes, especialmente aquela característica que cada qual – e só ele – possui? Ri sozinha ao lembrar de vários desses amigos que se mantêm na minha lembrança, habitando ainda meus sentimentos... Lembrei-me do amigo-bem-mais-que-engraçado (que reapareceu ainda mais pândego), o extremamente sensato, que tudo ponderava e previa – e quase nunca errava(!); o dinamicamente elétrico, quase capaz de reconstruir o mundo em apenas um dia da semana (risos); o maluco de pedra; o gentil e solícito, educadíssimo(!); o solidário e confidente; o fofoqueiro (que atualizava a turma com as news de todos); o estatístico preciso (sabia medir o grau de cada coisa ou evento); o contador de histórias; o defensor dos oprimidos; o pessimista (seguidor-mor da Lei de Murphy); o lunático (vivia fora do mundo), o genialmente criativo... Todos unidos pelo elo mágico da lembrança... dos aniversários, das aventuras de férias, daquela risadaria em sala de aula, daquela sessão do Grêmio, daquela gincana explosiva, do teatro da turma, da banda de rock do melhor amigo, da excursão inesquecível, das aulas cabuladas (eu nunca fazia isso), da festa de formatura! Todos delimitados, tão-somente, pela linha constante da amizade plena, a tal honorífica, que mesmo a distância nunca morre... Feliz daquele que tem amigos assim! Ou de quem simplesmente pode relembrá-los, pois isso é coisa que o acompanha para o resto da vida! Goethe que o diga...


Por Sayonara Salvioli