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Diante da efemeridade da vida, talvez o legado humano seja o maior compromisso existencial. Sim, porque o existir deve ser compromissado com alguma ideologia, essência ou fé. Sem um motivo real, um laço com algo maior – algo que remeta à transcendência do ser –, a vida não tem sentido. Porque o fato de alguém se conectar a um Cosmo além do visível é o que garante eternidade.
Há os compromissados com determinada filosofia; há os que se enlaçam com premissas religiosas; há os fervidamente ligados a ideais revolucionários; e há os que se ligam à arte de modo perene. De minha parte, prefiro o compromisso com a Literatura, o elo eternizável com a palavra, que se aquilata mais que o ouro e, afinal, permanece. Não se deixa oxidar, sobrevive aos vendavais, aos desertos e, mesmo, às larvas do tempo.
Foi justamente esse elo com a palavra que garantiu o passaporte para a eternidade de um homem-poeta do nosso tempo... Alguém que fez de seus anos vividos um legado de arte, algo capaz de marcar época, gerar filosofia e propagar-se dimensionalmente entre os seus contemporâneos. E nem destaco apenas a enorme idolatria ao seu tempo, ante seu séquito voraz. Em transcendência maior, sua herança é capaz de transmitir um patrimônio vasto às gerações futuras!
A geração 80 do Rock Brasil viu florescer esse ícone além-tempo... Num misto de arte e encantamento, acalentou o vate, desses tão perenizáveis que o tempo parece mesmo não colidir com a sua identidade. Um poeta incomum, um bardo que se sagrou uma espécie de mentor de geração. Seu nome: Renato Russo. Seu legado: quase quinhentas canções e uma personalidade eternizada, emoldurada num quadro rebuscado de posteridade! Afinal, a arte pode vencer a morte. E isso é o mais importante.
O terreno fértil e profícuo de Renato Russo foi a música. No entanto (não em detrimento da excelência de sua arte e vivência musical, notáveis), a mim me parece haver sido a música pano de fundo para as suas significativas poesias, letras personais e vibrantes, fortes como ciclones literários!... De Vento no Litoral a Tempo perdido, o cântico à fugacidade encontrou, afinal, um consolo nada frágil de eternidade. Russo se foi aos trinta e seis anos. Agora, em março de 2010, faria cinquenta anos se ainda neste plano... Mas a sua poesia ficou, e não poderão levá-la nem o vento nem o tempo.
Além de tudo, Renato Russo foi um poeta diferente dos convencionalmente guardados no nosso ideário ou nas galerias bibliográficas. Foi um poeta sem cabeleira, sem sereno, sem tuberculose, sem a boemia convencional, a casaca e o chapéu. Viveu quase o dobro do que vivenciou Álvares de Azevedo. Teve o quinhão de um terço a mais que Castro Alves. Uma a década a mais que Noel Rosa. Mas também teve a sua noite escura e o seu mal do século. Algo que o arrebatou do viver e do poetar. Também se lhe apresentou a efemeridade da vida, aterradora para alguém tão sensível e jovem!... O grande consolo – para ele, os que o amavam, sua numerosa legião de fãs – é que a morte não pode tirá-lo da poesia nem ela de sua memória.
Renato Russo foi e é dono de uma dimensão existencial muito própria: garantiu a si o seu próprio tempo! Fabricou o tempo em que poderia viver: o tempo do para sempre! Está até hoje - e sempre estará - entre nós, tão jovem!...
Sem dúvida, seria maravilhoso se ele pudesse ter completado cinquenta este mês... Mas o que seriam apenas cinquenta anos para quem coube uma eternidade inteira?
Por Sayonara Salvioli
3 comentários:
Lindo Sayonara!!!!!!!!!!!Que texto maravilhoso, sensível, profundo!!!!!! Parabéns!!! Sabe, acho que todo mundo que viveu as canções de Renato Russo sente tudo isso que vc falou, so que não sabe como dizer... Vc interpreta os desejos dessa geração e nos mostra coisas de maneira muito clara, como se estivesse trazendo de volta aquele tempo, clareando lembranças pra nós!!! Amei!!!!
post D+!!! como renato russo!!
Muita saudade de Renato Russo! O que consola é aquilo que vc escreveu, que ele permanece vivo. Ele é imortal como todos os grandes artistas!
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