Entre os diversos sentidos etimológicos do vocábulo paixão se encontram os de sentimento excessivo e amor ardente. Poetas, romancistas e roteiristas já pintaram tais nuances em versos e histórias que se cristalizaram no imaginário coletivo. Não há, por exemplo, em todo o mundo quem não conheça a dramaturgia de Romeu e Julieta; também não foram poucos os que se emocionaram com Ghost, o outro lado da vida nem os que se puseram a conjeturar sobre a perfídia (ou não) sofrida por Bentinho. O fato é que paixão, em si, é um sentimento avassalador que acomete os humanos. Mas não se lembre apenas a paixão dos romances dualistas, dos convencionais arrebatamentos entre homem e mulher. Há também a chamada paixão das multidões, sentimento coletivo capaz de mover uma nação inteira. E a humanidade já viu muitos casos de comoções políticas ou insurreições sociais, das que marcaram a história.
Realmente não parece necessário elencar aqui algumas das numerosas vezes em que a emoção falou mais alto na história das sociedades. Por diversas vezes, o povo foi às ruas e fez o seu clamor, brigou por suas vontades, fundou civilizações, erigiu monumentos, construiu coisas faraônicas, levantou voos, ergueu e derrubou muros, enfim fez e aconteceu no campo da paixão ideológica!... É e dessa espécie de paixão social que falo aqui, daquele tipo de entusiasmo febril que balança momentaneamente um país no clamor de uma categoria. Foi o que vi hoje.
Antes, porém, de narrar o espetáculo de comoção observado, quero ressaltar a imparcialidade em relação ao tema, aliás, destaque que faço apenas por expressar o que realmente acho da situação, não que houvesse qualquer impropriedade no fato de eu desenvolver também uma paixão assim... Refiro-me à minha não-parcialidade como torcedora de clubes de futebol. A propósito, quando pequena, por volta dos quatro anos, lembro-me de haver declarado ser flamenguista, por indução direta do meu pai. Também me salta à memória um episódio em que um professor de Matemática tentou me fazer “virar a casaca”, presenteando-me com uma camisa do Fluminense. Aliás, ele tentou me aliciar justamente por oposição ao meu pai. Resultado: expressei um tempo uma lacuna tênue entre Fla X Flu...
Mas os anos se passaram e me consagrei mesmo como torcedora absoluta e veemente da seleção brasileira de futebol. Lembro-me de certa definição que manifestei, certa vez, a um tio: na verdade, não tenho um time definido, mas na hora em que o Brasil entra em campo numa partida de campeonato externo, fervilham-me as veias e não perco um só segundo do jogo! E assim sempre foi. Duas ocasiões específicas me vêm à mente ao falar disto... A primeira se deu na Copa de 1982, naquela trágica partida contra a Itália de Paolo Rossi. Apesar de certa face azul de meu sangue um pouco italiano, vibrei e chorei durante noventa minutos de uma disputa tensa para nunca mais esquecer. Cheguei ajoelhada ao final do segundo tempo, sem querer acreditar no placar luminoso na tela à minha frente: 3X2 para a Itália. Mas o meu sofrimento, somado ao de milhões de outros brasileiros, não foi suficiente para modificar a situação... E a constelação do Brasil voltava para casa sem a taça, uma dessas injustiças do futebol que se repetem de tempos em tempos. Eu repetia para todos que aquilo era um absurdo: que tínhamos um time inteiro de estrelas, e que não poderíamos perder assim uma partida na qual só precisávamos de um empate, nada mais. Meu pai, vendo meu inconformismo, tentava me consolar falando das susceptibilidades de um jogo, pragmaticamente: Jogo é jogo; é perder ou ganhar. E quando tem meio termo, tem que haver o desempate de alguma forma. O Brasil era forte, perdeu; agora não tem mais jeito. Mas no fundo também relutava contra o resultado: não fosse o Toninho Cerezo... Ele deixou a zaga vazada, vazada... Recentemente, eu conversei com um empresário muito engenhoso, estrategista por natureza, que me apregoou o mesmo: o Brasil perdeu a Copa de 82 por causa da fraca defesa. É a defesa que garante um campeonato...
A segunda passagem que saltita na minha lembrança refere-se à emoção sentida por ocasião da Copa de 1994, quando o Brasil, finalmente, depois de quase três décadas de lacuna e inacreditáveis enterros na praia, alcançava a vitória no campeonato internacional de futebol. Embora eu não tenha sentido a mesma energia de 82 (não havia os gols olímpicos de Éder, a majestade de Sócrates, a imponência de Falcão ou a confiança de Zico), fiquei naturalmente feliz ao ver o Brasil conquistando uma vitória mundial cadenciada, de 1 a 0 em 1 a 0. Mas, afinal, a conquista da Copa se deu, eu vibrava: Campeão!.. E pensava e bradava que era a primeira vez que eu via o Brasil campeão... como vira nos vídeos da glamourosa copa e 70, como nas lendas imortalizadas dos ícones de 58 e 62...
Como o leitor vê, já me envolvi muito em paixões futebolísticas, mas me considero bastante imparcial para falar de campeonatos internos, visto não haver, ainda, manifestado qualquer paixão nesse âmbito. Posso, pois, falar friamente sobre o espetáculo de comoção coletiva que observei por ocasião da partida de hoje do Flamengo contra o Grêmio, por ocasião da decisão do Campeonato Brasileiro 2009.
Na verdade, comecei a observar o cenário já há algumas semanas quando vislumbrei, ao longo de uma varanda inteira de um prédio da rua em que moro, uma bandeira rubro-negra gigantesca, sem contar as muitas manifestações, pelo Rio de Janeiro inteiro, dos milhares de torcedores veementes que já prenunciavam a felicidade de uma vitória. Não estou aqui fazendo apologia do time, mas fosse qual fosse o time, com a efusividade que vi pelas ruas, não houve como me manter alheia a tamanha paixão... E me pus a divagar sobre a multiplicidade e a abundância das paixões humanas, exacerbações, amores ou idolatrias capazes de grandes feitos, movimentos e conquistas.
Naturalmente sem deixar de privilegiar tricolores, vascaínos, botafoguenses, corinthianos ou os torcedores do Grêmio, não posso deixar de falar que fiquei impressionada com a massiva e veemente torcida do Flamengo. Destaco até que, da varanda do meu apartamento, ouvi por mais de onze minutos seguidos, ininterruptos (quase doze minutos!) um coro de Meeenngo e gritos eivados de entusiasmo e vibração. E, mesmo sem ser flamenguista, pensei na imensa alegria movendo um prédio, um condomínio, um estádio, uma cidade, um país inteiro em mais puro frenesi de emoção coletiva!... Pensei na união proporcionada por tamanha energia e fiquei imaginando o quanto os seres humanos não podem alcançar se reunirem seus esforços e munirem as suas paixões de luta e vontade!... A garra demonstrada pelo time, ora campeão, me despertou para os grandes acontecimentos de corporações e campanhas que ajudam a contar a história do mundo. E, ao olhar pela TV um estádio pintado de cores altaneiras, desejei ir ao Maracanã em dia de decisão, só para ver e sentir bem de perto o espetáculo das grandes comoções coletivas!... Como seria bom se os humanos, costumeiramente, direcionassem o fluxo positivo de seu pensamento para sentimentos e conquistas coletivas, de modo desprendido, sem o afã de competições canibalescas. Afinal, o homem precisa juntar-se ao homem, e não montar uma arena de gladiadores. Nessa era de interesses vis e egocentrismos, é muito bom ver quando alguns – no caso, muitos! – e juntam em prol de uma causa maior!...
Por Sayonara Salvioli
2 comentários:
"Vencer, vencer, vencer... Uma vez Flamengo, Flamengo até morrer!" é isso aí, Sayonara! paixão absoluta e eterna pelo Flamengo!!!!!!!!!!
"Eu teria um desgosto profundo se faltasse o Flamengo no mundo"!!é muita emoção!!!!!!!!!!!!!!VIVA O MENGÃO!!!
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