Quem é da minha geração, certamente, se emociona com imagens como esta... E, ao vislumbrar esses rostos personificados, se reporta àqueles tempos de infância, quando, no fim de tarde – às “cinco... cinco e meia” – se postava diante da TV para assistir ao Sítio do Picapau Amarelo!... As aventuras passadas no reino encantado de Monteiro Lobato deixaram marcas eternas em seu público, do qual sou das mais vivas representantes.
Eu gostava tanto do universo televisivo criado a partir do gênio de Lobato (naturalmente, li toda a sua obra literária) que criei meu ritual particular para o período diário em que, religiosamente, eu me entregava ao deleite das peripécias de seus personagens!... Parava tudo para – alguns minutos antes (não podia perder um só segundo da trama!) – ficar de olhos fitos e coração em asas para viajar pelo mundo da imaginação!... Mundo esse concebido por Lobato quarenta anos antes e, àquela época, recriado com tintas de modernidade num seriado televisivo de rara excelência. Porém, a maior qualidade do melhor programa infantil da época era, sem dúvida, o teor de fantasia e criatividade que o tornavam um mundo de especial encantamento. A herança do talento de Lobato – aliada, então, a um trabalho requintado de direção, roteiro e produção – fabricavam na TV brasileira uma atração infantil como antes nunca se vira. Tanto que o produto global, em 1979, foi escolhido pela Unesco como um dos melhores programas infantis do mundo. Tal premiação foi altamente meritória, visto que no Brasil se pensou em fazer entretenimento com caráter educativo e, o que era melhor, a partir de uma obra genuinamente nacional. E o folclore brasileiro ganhava tintas e feições tecnológicas, quando “pintavam” na telinha uma boneca que falava, um sábio feito de sabugo de milho e entes mágicos das florestas... Como se isso não bastasse, o Sítio ainda abrigava personagens fantásticos – princesas e príncipes, anjos, fadas, sereias, elfos, assombrações e animais – de todos os tempos e de todas as partes! O universo em movimento do Sítio do Picapau Amarelo era o lugar onde podiam acontecer todas as coisas do mundo. Estímulo melhor não poderia haver para os sonhos e a mente de uma criança...
Assim era que, todos os dias ao cair da tarde, milhares de telespectadores mirins e eu mantínhamos uma crescente ansiedade pelo próximo capítulo... Que menina da época não foi apaixonada pelo Pedrinho ou não quis se casar com o Príncipe Escamado? Quantos meninos-Pedrinhos não desejaram caçar onças, sacis ou fazer uma expedição ao ninho do terrível Pássaro Roca? Quem não quis morar num sítio mágico como aquele? Também não houve pequeno intelectual que não desejasse confabular com o Visconde e inventar com ele umas fórmulas para ir ao espaço... E os mais espertinhos, então, como se divertiam com as idéias mirabolantes e oportunistas da Emília!
Refiro-me especificamente ao contexto (episódios e elenco) da temporada inicial, que estreou em 1977 na Globo, com a direção primorosa de Geraldo Casé. E toda aquela magia – que maravilhou as gerações 70/80 – marcaria indelevelmente a teledramaturgia infantil nacional.
Quando o Sítio começou, eu era bem pequena, e – no auge das minhas melhores fantasias de criança (você pode imaginar, não pode?) – eu parecia compartilhar dos poderes da Turma do Picapau Amarelo, e sair voando por aí, sob o efeito mágico do pirlimpimpim!... Foi assim que viajei pelo País das Fábulas e conheci La Fontaine! Também tive uns papos-cabeça com Kepler e Copérnico, em torno da mesa de Dona Benta. De outra vez, acompanhei meus coleguinhas-ídolos a viagens sensacionais fora do tempo ou do eixo orbital... Viagem à Lua, passeios à Grécia e à Roma antiga, uma passagem pelo Egito de Cleópatra e uma aventura na Terra do Nunca! Demais, não? Universos paralelos originalmente concebidos por um brasileiro e recriados – em adaptação televisiva – segundo moldes de uma outra época por roteiristas como Marcos Rey, Wilson Rocha, Benedito Ruy Barbosa, Sylvan Paezzo e, em alguns episódios, Luís Fernando Veríssimo e Maria Clara Machado! Mentes de incomum talento que, com approach e sensibilidade, conseguiram dar forma renovada a um esboço clássico prévio, o que não mais aconteceu nas temporadas que se sucederam à primeira Era Sítio.
É claro que, hoje, quando assistimos às cenas produzidas naquela época, nos deparamos com a ausência dos recursos e efeitos tecnológicos que revestem os produtos atuais, tal como os concebemos agora. No entanto, como penso – e não estou sozinha nisso! – que o princípio básico de todo sucesso é a idéia, até hoje nos encantamos com os episódios do Sítio de trinta anos atrás. Eu mesma não sosseguei enquanto não encontrei os DVDs que contêm os primeiros episódios. E, de vez em quando, faço uso da minha relíquia, e rio e me emociono e cantarolo – tsc tsc tsc – ao som da maravilhosa trilha sonora... Com Sítio do Picapau Amarelo (Gilberto Gil), Pedrinho (Aquarius), Peixe (Doces Bárbaros), Narizinho (Lucinha Lins), Tia Nastácia (Dorival Caymmi), Visconde de Sabugosa (João Bosco), temas feitos especialmente para o Sítio... E ainda Chico Buarque e Francis Hime! Atmosfera auditiva de dar gosto à lembrança. Fico imaginando que grande fenômeno não foi o êxito absoluto de se reunirem texto, direção e produção musical de tão grande aparato!
Quanto ao elenco, não abro mão de minhas recordações, tão absolutamente personificadas. Emília, por exemplo, para mim se corporificou nas figuras reais de Dirce Migliaccio e Reny de Oliveira. De outros personagens, arquivei na memória as imagens inesquecíveis de Zilka Salaberry, Júlio César, Rosana Garcia, André Valli, Jacyra Silva, Tonico Pereira, Romeu Evaristo, Samuel dos Santos, e Canarinho. Ah!... O Zé Carneiro – interpretação de Tonico Pereira –, que constituiu com perfeição o homem do interior, o Jeca Tatu das nossas tradições genuínas nacionais!
E o Visconde? Há cerca de um ano e meio, mais ou menos, me emocionei com as falas de André Valli, na peça Corações Encaixotados, no Teatro dos Quatro. Seu personagem era um viúvo solitário, e – nuns inserts filosóficos da trama – disparava algumas dessas verdades que nos fazem pensar. Mas creio mesmo que o mais tocante foi o fato de terem sido ditas com o tom ponderado de um eterno Visconde, com seu jeito cristalizado de connaisseur das coisas da vida, bem ao estilo que Lobato usou com a personagem Benta Encerrabodes de Oliveira.
Anos se passaram... Décadas, na verdade! E ainda posso descrever algumas cenas que mais me marcaram. Uma delas mostrava o encantamento de Narizinho diante do vestido ofertado pelo Príncipe Escamado... Tal como ele o definiu em sua encomenda à D. Aranha, seria este “o vestido mais bonito do mundo”. Para tanto, a artesã do Reino das Águas Claras fabricou um traje espetacular: salpicou sobre ele “pó-furta-todas-as-cores”, que, “de tanto brilho, parecia pó de céu sem nuvens, misturado com pó de sol que acaba de nascer”!... Que poeta foi Lobato! E olhe que o vestido ainda tinha a leveza das águas e “flutuavam” sobre a sua superfície aquosa peixinhos coloridooos!... Lembra-se? (risos delicados)...
Minhas lembranças, no entanto, por mais fortes que sejam, não são diferentes das imagens que todas as meninas da minha geração guardam na saudade até hoje... Afinal, quem não desejou ouvir de perto as histórias de D. Benta ou saborear os bolinhos da Tia Nastácia? Que milagre a Emília começar a falar com as pílulas do Doutor Caramujo! E que emoção quando se ouvia a aproximação do navio do Capitão Gancho! E que medo do Minotauro!!! Uhh... Por tudo isso e muito mais é que continuo acreditando em goiabada de marmelo...
Por Sayonara Salvioli
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“– (...) O mundo das maravilhas é velhíssimo. Começou a existir quando nasceu a primeira criança e há de existir enquanto houver um velho sobre a Terra.
– É fácil ir lá?
– Facílimo ou impossível. Depende. Para quem possui imaginação, é facílimo.”
(MONTEIRO LOBATO)
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P.S. 2: Todos os nossos louvores à memória de um dos maiores gênios da Literatura Infantil mundial, por certo! Afinal, Lobato – embora também tenha sabido valorizar a criação de outros ícones das histórias infantis – teve uma peculiaridade admirável: criou um universo encantado muito próprio, com cara e jeito de Brasil! Com notável originalidade – que é a marca do gênio –, delineou personagens de nossa terra que, por sua singularidade e encanto, também fizeram do Picapau Amarelo um ponto no mapa do Mundo das Maravilhas. Vemos isso no livro Reinações de Narizinho, em que o genial autor situou o reino de Dona Benta como o ponto de partida das viagens às paragens mágicas... Passe por lá agora, com os vídeos abaixo:
17 comentários:
Ah, Sayonara, vc sempre me emocionando!!... Quando não é com seus personagens maravilhosos (a mulher dos pombos, D. Anísia, Dora, Cosme, Zuza, Marina, Ludovico... e outros tantos que conheço, mas vc ainda não postou aqui), é com lembranças que fazem parte da vida de todos nós. E o Sítio do Picapau Amarelo foi uma coisa assim, um pedaço da minha vida! Era a minha fantasia de criança, a magia de ver o espetacular, o fantástico no dia-a-dia, nas coisas simples.
Aprendi e "herdei" muito de tudo aquilo...
Post melhor vc não podia fazer, amiga!
Imagino o quanto você não se emocionou escrevendo esse texto... porque eu, só de ler cheguei a chorar!!!! de saudade e recordação boa!
Show!!!!! Quando você descreveu o vestido da Narizinho, parece que vi a cena na minha frente... Lembrei dela, desfilando toda toda no Reino das Águas Claras... As imagens me vieram à cabeça com trilha sonora e tudo: "Narizinho, Narizinho, sonha sonha com amigos, uma fada brasileira de agrados e castigos..." Ai, que saudades!!!!
Saudade boa, não é, Mariana?
Nada como lembrarmos o Sítio ao som de suas canções mágicas!
Enquanto lia o seu comentário, o resto da música (parte dela) me veio à mente... Continuando-a, então:
Sonhando abrir a porta/
Do Reino das Águas Claras/
Um céu de estrelas marinhas/
E um chão de conchas raras...
Linda letra!!! Tempo mágico de infância...
Peixe
Deixa eu te ver, peixe
Peixe
Deixa eu te ver, peixe
Peixe
Deixa eu te ver, peixe
Verde
Deixa eu ver o peixe
...
“cuidado-com-a-cuca-que-a-cuca-te-pega-te-pega-daqui-te-pega-de-lá” hahahahahaha
...eu vou andando, eu vou levando muito devagar pra chegar no lugar e entregar o meu... jabuti ja ja ja ja jabutigrama...
Acho que todo mundo lembra disso!!!!
Gente, que d+!!!!!!! Todo mundo aqui lembrando as músicas do Sítio!!! Tambem isso marcou muito quem assistiu todas aquelas aventuras mágicas. Lamento que meus filhos hoje não tenham opção igual. Tudo decaiu no Brasil, da música até a programação de TV. E o Sitio mesmo naquela época era muito superior ao resto. Eu lembro até hoje de muitas cenas e episódios... lembro de D.Benta na Grécia conversando com Péricles vestida de grega!!! Que lição de História!! Tudo era divino e eu tenho muitas recordações daqueles anos...
Eu tb me lembro praticamente de tudo do sítio! Nunca esqueci o episódio "O Anjinho da Asa Quebrada", que tinha um anjinho vestido de vermelho... até as asinhas eram vermelhas!! Uma coisa fofa!! e o anjinho era a Gabriela Alves, filha da Tania Alves. Também lembro do Mário Cardoso, que era sempre o príncipe das princesas dos contos que apareciam no sítio... Lembro ainda da Iara, da Rapunzel, da D.Carochinha!! Sei lá acho que lembro de tudo!!!!!!!
Boa a postagem!!!!Tenho poucas lembrançcas porque eu sou de 78 e na década de 80 eu assisti alguns porque minha prima adorava.Mas na minha época de jardim eu amendrontava uma colega que tinha medo da cuca, rs...Nós lembramos disso até hoje...Seu texto me fez lembrar das tardes onde minha prima fazia pipoca e tomava café. E eu ficava do lado só comendo pipoca.Abçs pra vc!!!!!!!!!!!!
Achei interessantíssimos os comentários com as letras das músicas! Realmente, todas elas marcaram muito aquela deliciosa rotina do Sítio...
Cada canção e até os "registros auditivos" das trilhas incidentais nos fazem lembrar de cenas e situações: hilariantes, emocionantes, inesquecíveis!
Enquanto lia o comentário da Maria Helena, lembrei-me do andar p-a-u-s-a-d-o (quase parando!!! haha) do jabuti! Eu adorava essa parte!!!
Muito legal também o registro da Solange, nos reportando ao episódio da Grécia Antiga! Na hora me veio à mente a cena em que a turma "miraculosa" do Picapau Amarelo mostrava um palito de fósforos aos sábios gregos!!! Perplexidade geral: não me esqueço da cara do escultor Fídias, espantadíssimo com os inventos extraordinários do futuro!!!
Além disso, em milhares de outros detalhes, Lobato sabia como ser atemporal. Por isso, ele é sempre atual.
Uma pena que nos dias de hoje não tenha uma programação assim pros nossos filhos. É um absurdo, mas a TV aberta já nem é opção de entretenimento. Temos que pagar pras crianças terem alguma coisa parecida com o que tínhamos gratuitamente nos idos de 70 e 80. E olhe que mesmo na paga os programas não tem a qualidade que um Sítio por exemplo, tinha.
O seu post é excelente, Sayonara! TRaz as marcas de um tempo com outra mentalidade e outros tipos de produção.
Eu me amarrava nas aventuras do sítio! tinha um tio que tinha uma fazenda no interior de São Paulo e eu ia pra lá nas ferias cheio de planos!!!!! mas nunca cacei onça nem consegui pegar sacis. isso era lá na frente da telinha!!!! tempo bom!!!!
Sayonara,
que delicadeza de texto.
Gostaria de saber como você conseguiu ter o material do Sítio ? Pode passar o contato. Adoraria ter também.
Um fraterno abraço
Marcia Araujo
Primeiramente feliz ano novo pra todos! E uma boa tarde também. Estou super-feliz por meu filho de cinco anos e meio ter descoberto o seriado do Pica Pau Amarelo e está adorando como eu adorava! Falo logicamente dos episódios de 77, 78 e seguintes, com e elenco antigo, Rosana Garcia, etc... Procuro inclusive, desesperadamente, a trilha sonora volume 2 pra baixar, pois já consegui baixar o volume 1. Não sei se posso ainda acrescentar algo que não tenha sido enaltecido pelos comentários anteriores ao meu, relativamente à superioridade da obra de Monteiro Lobato, traduzida na série de tv. Realmente, como estamos carentes de bons seriados infantis como foi o Sítio do Pica Pau, mas também não é pra menos, estamos falando da obra Monteiro Lobato. Não há como comparar com nada a tv tenha produzida desde aquela época. O mundo encantado, a magia, as lendas e folclores do nosso Brasil alí representadas foi o que mais nos cativou, creio eu, e fez-nos acompanhar com toda ânsia os capítulos empolgantes que nos prendiam tando a atenção. Lembro que ficava aflito pra voltar logo da escola e chegar a tempo de acompanhar o desenrolar das histórias tão bem contadas e representadas. Bons tempos! Foi por gostar tanto da série e estar procurando a trilha sonora que entrei nesse blogg de alguém que nem conheço, peço antecipadamente mil desculpas, mas tive que postar um comentário também, senti-me forçado a isso! Vou aproveitar o entusiasmo do meu filho pra comprar os episódios antigos. Já tenho "As memórias da Emília" e estou tentando achar os primeiros, como "A cuca vai pegar, O pássaro Roca, O minotauro"... Aproveito para assistir também junto com meu filho, pois quero que ele tenha o mesmo privilégio que eu tive em minha infância e receba esse banho de cultura! Abraços a todos os fâs. Danilo S. Mascarenhas. Recife-PE. danmasca@hotmail.com
Quando o que escreveu quase chorei sou uma apaixonada pelo sitio, canto dou risada,lembra quando anunciaram o sitio novamente eu adorei a noticia...mas depois que assisti eu fiquei tão decepcionada que passei a procurar os episodios antigos no site estou a procura da do episodio o pica pau amarelo, a cuca vai pegar eo anjinho da asa quebrada completos, mais uma coisa a tecnologia estragou muito as crianças e a criatividade da televisão brasileiraAbraços
Muito linda e delicada esta cronica! Amei ! Obrigada Sayonara! Abs
Jeanne Gantman
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