Novamente, o tempo... O ano era 1984. E eu estava num lugar meio mágico, com um chão legitimamente outonal – aquele de folhas secas cobrindo o chão e pintando a paisagem de dourado. Mas não falo do outono europeu que “pintou” aí na sua imaginação. O meu lugar particular era um pomar bem nacional, com árvores de copas grandes e troncos seculares: uma fazenda no interior do Estado do Rio de Janeiro. Na verdade, o local tinha um quê de fantástico: parecia encontrar-se no âmago de um livro... folhas secas entre rizomas de celulose em forma de páginas perfiladas!...
Não parecia, mas era um lugar real. E eu chegara lá sem a avidez das grandes vontades; apenas fora para agradar a meu pai, que trazia de volta para a família um patrimônio de gerações. Lá chegando, porém, olhei rapidamente para a sede de janelas coloniais e alpendre literário... Sem dúvida, aquele era um belo lugar! Mas a primeira paisagem que me sorriu não despertou o mesmo encantamento em meus lábios. Não quis adentrar o casarão, logo de início. Uma vontade maior moveu a minha mente e deslocou meus pés apressados em busca de algum lugar. Saí caminhando rápido, com aquela sensação de quem não sabe para onde está indo, mas conhece o caminho. E foi aí, que – clareiras depois – eu me vi rodeada de folhas por todos os lados. Aposto que, algum dia, você teve essa mesma sensação de já conhecer um lugar onde nunca esteve antes... Foi assim.
Senti-me com a alma nos olhos, com a garganta ressequida, surpreendida pelo gosto não conhecido do inexplicável, do imponderável, do intangível. Sim, eu estava ali naquele pomar com a sensação absurda de nunca dele haver saído! Mas como, se jamais eu pisara a terra de meus avós? A lendária Santa Cruz do Retiro não passava do interessante núcleo das histórias recordadas pelo meu pai: as corridas de fantasmas, os medos-meninos, os enterros prematuros de patos... Do pomar e seu envolvente mistério, porém, ele nunca falara! Só se isso era coisa de minha bisavó, com quem tanto pareço segundo as conversas dos saudosistas. Ora, isso me parecia bem crível: a sorridente e festiva senhora devia mesmo gostar de ficar horas ali, estalando folhas pipocantes sob os pés, sentando-se naquele tapete de outono e lendo Alencar sorrindo! Praticamente um fiapo de lembrança arranhou as minhas vistas: foi como se eu a visse de repente ou – quem saberá algum dia? – trocasse de lugar com ela e sentisse, numa fração de segundo, o encantamento único daquele lugar.
Acho que essa foi a maior sensação que tive de dé jàvu... E não falo, objetivamente, de conceitos de espiritualidade; também não estou defendendo, por outro lado, princípios de parapsicologia. Seja pelo espírito, seja pela mente, o fato é que meu pensamento voou, fazendo-me pairar por estâncias familiares estranhamente desconhecidas... Naquele instante, tive a impressão de estar revivendo os sentimentos e as impressões da minha bisavó. E, por um átimo, quase pude vislumbrá-la com seu vestido de época, sombrinha de rendas e... meu sorriso (?) na face!
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Algumas correntes científicas defendem a tese de que o dé jávu seria uma reação disparada por ação neuroquímica no cérebro, algo que não estaria ligado, de jeito nenhum, a determinada experiência do passado. Por outro lado, correntes populares e histórias pessoais manifestam uma verdade tal que sensações assim, tão fascinantes e enigmáticas, costumam permear os personagens da literatura e do cinema. E a imaginação das pessoas, é claro! Quem, por exemplo, não se deixou encantar pelo mistério romântico de Richard Collier e Elise Mackenna? (Em algum lugar do passado, 1980). Ou, ainda, não se envolveu na placidez contraditória das águas extemporâneas de Kate Foster e Alex Wyle? (A casa do lago, 2006). Mais recentemente – tenho certeza! – muitos foram os que deixaram o cinema fascinados com a experiência do agente especial Doug Carling (Dé Jàvu, 2007). Em qualquer dos três casos, um fio faz a interseção da história: a vertente ficcional (ou não) de uma viagem no tempo.
Assisti
também a dois curta-metragens que me atingiram em cheio o interesse e a
curiosidade pelo fenômeno do tempo relativo: um nacional – Loop, escrito e
dirigido por Carlos Gregório, com o desfecho impactante de um filme de seis
minutos que, literalmente, extrapola a ideia convencional de tempo; e um alemão
– escrito e dirigido por Chris Stenner, Arvid Uibel e Wittlinger Heidi, cuja
temática dá conta de uma oscilação entre o tempo geológico e o tempo humano. Haja
profundidade de enfoque!...
Confesso que tenho a trilogia Back to the Future (1980) e – entre pipocas e Coca-Cola – sempre me reencontro com meu amigo Doc Brown, personagem inesquecível de Christopher Lloyd... Que genialidade a do Einsten pós-moderno criado pelo cinema quântico! Mas, voltando ao que eu dizia, a ideia de viajar no tempo, comum aos filmes que citei, constitui, a meu ver, um dos motes mais interessantes para a imaginação daqueles que sempre quiseram saber mais do que o mero e o palpável. Eu sempre fui uma dessas pessoas: quando criança desejei ser abduzida por uma equipe de cientistas verdes, tentei falar com fantasmas (ainda não consegui, mas continuo não tendo medo deles) e tive como sonho de consumo uma máquina do tempo! A certa altura, a obsessão era tão forte que eu acreditava mesmo poder embarcar em uma, e que – de algum modo – iria poder, a qualquer dia, descer na Grécia de Sócrates, desembarcar às margens do Nilo de Amenófis IV ou aportar num heliponto doméstico do século XXIII. No entanto, como o caprichoso Dr. Tempo ainda não me levou a conhecer o seu supersônico, vou me contentando com vôos esparsos nas galáxias da imaginação... Para tal, sei que não basta ler G. J. Whitrow, Guillaume Musso, Lee Smolin ou, ainda, J. J. Benítez. Também reconheço não ser suficiente conhecer avançadas teorias de Física Quântica. Aposto mais, mesmo, nas dimensões imaginárias – ou não – a que meu cérebro voador pode me levar... Estas, sim, representam as estâncias da possibilidade tornada real, esse tal gérmen do homem, que o tem feito inventar de bússola a ônibus espacial.
Deixando um pouco de lado as verdades científicas, fascina-me mais a possibilidade de fazer uma viagem no tempo sem usar máquinas ou mecanismos complexos, como fez o teatrólogo de Em algum lugar do passado... Quando assisti ao filme pela primeira vez, ainda criança, eu tentei repetir a tática: deitei-me em meu quarto, fechei os olhos, tentei olhar para o mais profundo de meu cérebro e codificar a mensagem numérica de um outro ponto no tempo-espaço... Não adiantou, como você pode supor. Mas a minha vontade-menina permanece em mim e, sempre que travo contato com alguma aventura dessas no cinema, quase consigo me reportar a uma situação-verdade imaginativa, passando pela vereda – nem um pouco estreita – que meu cérebro me permite. Assim foi com a experiência atrativíssima de A casa do lago: dois apaixonados que se correspondem magicamente, havendo entre eles a divisória temporal de dois anos(?!)... Alex vivia em 2004, e Kate em 2006. Ele pôde travar rápido contato com ela no passado por meio das mensagens que recebia do futuro. Tinham em comum o fato de haverem morado na mesma casa e um desses amores dignos de cinema. O filme é tocante, em vários aspectos. E altamente inquietante é o paradoxo proposto em sua story line: uma médica assiste a uma morte e, por isso, se retira de sua rotina estressante, indo morar numa plácida casa sobre um lago. A partir daí se desenrola a trama. Mas como isso se torna possível se, somente daí em diante, irá se encontrar e conviver com aquele que, no início da trama, parece ser a pessoa que morre?!... Se ela saiu de um futuro em que ele morria sem que, de fato, o houvesse conhecido, como ele poderia estar no passado de sua nova casa e nos recônditos de um tempo-vácuo vivenciado por ambos? Uma história de trás pra frente?! Algo mágico, que pressupõe curvas dramáticas mirabolantes... Ora, paradoxos sempre existirão em histórias como essa, mas vê-las ou lê-las sempre vale a pena. Sem contar que a própria história da origem das espécies se esbarra com a primordial incógnita: afinal, quem surgiu primeiro: o ovo ou a ave?!
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Mas essa linguagem dos paradoxos parece ser mais facilmente compreendida por aqueles que conseguem conceber a teoria do pão de forma. Eu tenho uma amiga, por exemplo, que afirma algo nessa linha. Ela diz que – mesmo antes de ler a respeito – quando criança, ao divagar em suas brincadeiras, cogitava a hipótese de existência de várias versões de si mesma, cada qual num filete de tempo, de forma independente... Difícil de entender?! Pois foi justamente isso que nos propôs o roteirista de Dé Jàvu, quando – no desfecho da história – vemos duas versões do intrépido Doug: uma com ele parecendo sumir sob as águas e outra, antagônica, em que ele chega, ileso, de um passado que fora reinstalado. Aí também o paradoxo de uma vida e uma lembrança depositadas em algum ponto aparentemente desconhecido do passado... Se você viu o filme, pode me entender, por certo. Caso contrário, veja... ou apenas acredite: é uma experiência marcante uma tal possibilidade de se chegar a um lugar, se ver uma peça de roupa manchada de sangue, dentro de um cesto, e se ter a sensação de já haver visto aquele quadro antes... (e já se tinha visto, realmente!) Um dé jàvu sensacional, insólito, não um desses em que parece apenas que a alma voa, por uma circunstância de outra vida, numa esfera espiritualista... E, sim, um dé jàvu desta vida mesmo, apenas uma questão de passagem de tempo entre o que se vive agora e um passado próximo, no qual se pode readentrar, com a possibilidade de se fabricar um novo futuro e, com isso, modificar positivamente o presente.
Pensando em toda essa história, mesmo que o leitor duvide das arrojadas e bem-engendradas teorias expressas no filme, impressionou-me muito a ótica principal da trama: a possibilidade científica de se viajar para o passado, utilizando-se o mecanismo de uma antevisão... É mais o menos o seguinte: uma equipe de agentes cientifizados observa, através de mecanismos extraordinários, cenas da vida real – do passado de alguns dias anteriores – da protagonista, cuja morte era investigada. Tais imagens, entretanto, diante da visão do agente Doug parecem evocar algo tão real que ele, impressionado, tem um insight: e se aquele painel ainda tivesse vida? E se aquela mulher (novamente, a teoria do pão de forma!) ainda estivesse vivendo aquele momento, do modo exato como as cenas mostravam? Sendo assim, era lógico que ele voltasse no tempo e pudesse encontrá-la, interferindo nos fatos e evitando assim sua tragédia... Uuuhhh... Que loucura!...
Se deixei você com vários pontos de interrogação na mente, saiba que também os tenho, todos. E mais alguns que me impregnam os sentidos e a imaginação... Assim, para que ambos possamos nos localizar, de alguma forma, dentro desse intrincado labirinto espaço-tempo, será bom assistirmos aos vídeos abaixo (reportagem de algum tempo atrás, que encontrei e achei bem propícia na abordagem do tema, e o trailer do filme), que desenham dimensões de tão vasta concepção metafísica... Veja:
17 comentários:
Já tive essa sensação, Sayonara. E foram muitas vezes, uma coisa estranha, como se eu tivesse certeza absoluta de que vi aquela cena antes... não dá pra explicar, mas na hora parece real, um tipo de repetição que a mente processa... Vou ver o filme De Javu. Os outros já assisti e também adoro.
Bjs
Adorei o seu relato. Puxa, será que você foi a sua avó?!... haha
Belíssimo texto!
OLha, Sayonara, vc me fez mesmo viajar no tempo! Parece que peguei carona com o Doutor Brown...he,he
Muito bacana sua crônica!
Seu jeito de escrever faz a gente viajar pra outras galáxias he,he. Parabéns!
Assisti ao filme A Casa do Lago e fiquei encantada na época! Que história!!Que amor!
E a dose de mistério só atrai, mais e mais, o interesse do telespectador, na medida certa.
Adorei o seu enfoque, suas lembranças, os fimes, tudo!!
Olá querida Sayonara...
Passando aqui para deleitar-me em teus textos!
Afagos poéticos...
L'(Max)
Como falei aqui no meu comentário anterior, fui à locadora e peguei De Jávu. Simplesmente ameeeiii!!!! O filme é espetacular! Faz mesmo a gente ficar imaginando a possibilidade, quase compreensível, de uma viagem no tempo...
Obrigada pela dica e pelo texto de tanta reflexão!
Eu acredito na teoria dos universos paralelos. Acho tudo muito lógico.
Ótimo texto!
Aiii.... eu não gosto muito de imaginar essa coisa de duas de mim, vivendo realidades diferentes... Acho legal na ficção, mas na vida real me dá um pouco de medo...hauauauaua
Sayonara:
Eu sou meio parecida com a amiga de quem você fala no texto... Sempre acreditei que existem vários mundos, como que duplicados. Deve ser a teoria científica da qual você falou.
Muito legal falar disso!!
Eu acho o tema fascinante, mas achei o filme A Casa do Lago sem lógica nos acontecimentos. Como é que aquela caixa de correspondência podia se situar entre passado e futuro?
Seria maravilhoso podermos voltar no tempo e mudar os fatos que quiséssemos!!!
TRemendo vôo essa história de máquina do tempo!
Oi querida!!!
Amei o seu texto. É como se estivéssemos vivendo a experiência, pois quem nunca teve a sensação de que já vivenciou alguma coisa ou já esteve em algum lugar nunca antes visitado?
Serei uma frequentadora assídua do seu blog, que é maravilhoso.
Parabéns!!!
Mil beijos
Aline Goudard
Acredito e já passei por isso.Já aconteceu também de eu passar num lugar(Braga-Cabo Frio)e ter a forte sensação de ter sonhado ou visto aquele lugar antes.Parabéns pelo texto.Um tema muito díficil que requer muita sensibilidade e concentração pra não ficar complicado para o leitor. Até o comentário é dificil de ser feito (análise do texto)rs...Ótimo, vc está de parabéns.E mais uma vez vou repetir:"Vc escreve muito bem".
Oi Sayonara, parabéns pelo texto e leitura rica mas fluente. Fui fisgado pelo seu post, pela figura que vc usou. Também tenho um blog e acabei de começar um tema sobre viagem no tempo, mas por outra vertente, pretendo explicar um pouco o que a física tem a dizer sobre isso, e claro aproveitar para falar um pouco de como a ficção vem tratando o mesmo. Dê uma olhadinha quando tiver tempo, seria um honra receber um comentário seu:
www.12dimensao.wordpress.com
a propósito nesse post que coloquei tem um link para um curta nacional muito legal sobre viagem no tempo, chama-se loop, conhece? se não mais um motivo pra dar uma passadinha la. abraço
Jacó Izidro de Moura
Oi Sayonara, parabéns pelo texto e leitura rica mas fluente. Fui fisgado pelo seu post, pela figura que vc usou. Também tenho um blog e acabei de começar um tema sobre viagem no tempo, mas por outra vertente, pretendo explicar um pouco o que a física tem a dizer sobre isso, e claro aproveitar para falar um pouco de como a ficção vem tratando o mesmo. Dê uma olhadinha quando tiver tempo, seria um honra receber um comentário seu:
www.12dimensao.wordpress.com
a propósito nesse post que coloquei tem um link para um curta nacional muito legal sobre viagem no tempo, chama-se loop, conhece? se não mais um motivo pra dar uma passadinha la. abraço
Jacó Izidro de Moura
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