Nº 1 da fila
Contudo, o acaso – que nunca dá trégua à nossa protagonista –
apronta mais uma das suas...
Você, leitor, já conheceu as peripécias de Marina no episódio
A MÃO INVISÍVEL DO GUARARAPES. Pois bem, foram narradas as aventuras da
protagonista desde que recebeu o telefonema do presente (o afilhado!) até a
chegada da feliz madrinha em solo recifense, depois de perder e reencontrar os
famigerados óculos da irmã Colette (se não leu ainda, faça-o agora porque as
memórias merecem a sua curiosidade!)... Pois bem, a viagem de Marina até Recife,
no entanto, com o objetivo único de batizar o seu afilhadinho passou por alguns
impedimentos até que finalmente se consumasse. Mas essa história é
recheadíssima de acontecimentos e – no dia em que Marina estava correndo para
viajar, em momento de pressa e preparativos...
64 números adiante...
64 números adiante...
Dia de viajar para Recife. Pouco tempo antes do momento de se
dirigir ao aeroporto, novo telefonema... Só que era “de poucos amigos”, totalmente
diferente do de Vivi... Do outro lado da linha, no entanto, Marina finalmente
consegue o “sim” do proprietário do apartamento que ela tentava insistentemente
comprar. O cara era duro na queda, mas chegou “no seu preço”. E resolveu
fazê-lo – propondo acordo prévio de pagamento imediato de sinal – horas antes
de seu embarque para outra cidade... Aff! O que fazer, Marina? Deixar para a
volta? Não! Como houvesse mais dois interessados “de botuca” no apartamento,
era preciso formalizar logo a situação (arranjando-se tempo Deus-sabia-como no
dia da viagem). Na verdade, era caso de se passar logo a escritura. Mas isso
também não seria possível... Além do horário apertado para o voo, era uma
sexta, quase final de expediente, e o proprietário ainda pedira um tempinho
para reunir papelada. Como fazer? Marina pensou três segundos e concluiu que o
acordo precisava ser imediatamente fechado com um sinal. Ela estava
atravessando a rua quando Vivi ligou:
– E aí? Malas prontas?
– Ah, sim, tudo pronto. Tudo legal.
– Algum problema?
O celular desligou sozinho quando Marina quase foi atropelada
pelo árabe do triciclo – com seu possante vermelho sem-teto, brilhante e
musical –, bem no meio da Rio Branco. [É claro que Marina nunca seria
atropelada por um celta prata, não? Mas não foi mesmo, graças aos Céus, que
sempre deram conta de suas providências].
Do outro lado da rua se achava o tal proprietário, do alto de
quase dois metros de sisudez. Marina se esticou no salto de 14 centímetros e
olhou firme para ele:
– Vamos entrar logo, antes que o banco feche. Uma pena o
senhor não haver aceitado um TED.
– Só se fosse um depósito on-line caindo instantaneamente na
minha conta. Agora, esperar 24 horas?... Aliás, mais de 72, já que amanhã é
sábado... E a senhora ainda vai viajar. Decididamente, não. Tenho mais dois interessados no
negócio, senhora.
Marina não quis discutir; não seria prudente. Na verdade, ela
havia decidido não fazer nem um nem outro, pois queria garantir a assinatura do
vendedor do imóvel quando da transferência do dinheiro [Onde já se viu passar
tanto dinheiro num negócio sem papel assinado em tempo real e presencial?].
E o homem era antipático:
– É capaz de não dar tempo.
– Vai dar, sim, meu senhor. Eu tenho sorte.
Com ar levemente irônico, o sujeito se calou, e ambos
entraram no banco. Marina levou a mão à cabeça: a fila para o caixa era
interminável; ela contou 52 pessoas!
– Ai, meu Deus, vou perder meu voo! – em raro momento de
desespero.
E o sujeito:
– O problema nem é a senhora perder o voo: eu que não vou
esperar essa fila toda!
Marina precisava agir rápido, e simplesmente disse:
– Vamos até outra agência, um quarteirão adiante. Com
certeza, a fila lá deve estar menor.
O proprietário fez cara feia, mas a seguiu. Uma vez lá, pior: 64 pessoas! Expressão de pavor de Marina. Nem daria tempo de voltar à
agência anterior, pois o banco já fechara. Mas desistir sempre foi verbo fora
do seu glossário:
– Aguarde-me, senhor, que eu vou ali convencer o caixa e o
primeiro da fila que preciso ser atendida na frente de todos.
O homem, incrédulo, ameaçou gargalhar. Mas Marina não se deixou intimidar: fez cara feia, esticou-se no salto e levantou o queixo.
Nove
minutos depois estava de volta. Ergueu as mãos:
– Aqui está, senhor, o seu comprovante de depósito;
confira-o, por favor – passando-lhe também o contrato do sinal.
O homem, pasmo, estava sem cor. Perguntou, engasgando-se
todo, enquanto assinava o papel:
– Mas o que a senhora disse para convencê-los? Como
conseguiu???
Ficou sem resposta o proprietário, digo, o ex-proprietário,
inteiramente perplexo:
– Nunca vi disso em toda a minha vida.
Ela limitou-se a dizer:
– Nada de extraordinário. Eu precisava fazer o depósito, não
precisava? Foi bastante simples: disse três frases, com muita verdade, o que
pareceu mexer com a consciência deles, que atenderam prontamente ao meu pedido
e ainda me desejaram sorte. [Até hoje nem Vivi sabe que argumentos – em três
frases! – Marina usou para convencer dois desconhecidos, ao
mesmo tempo em que driblava o interesse e a fúria de 64 pessoas numa fila de
fim de expediente de sexta-feira! Ufa!]... Se Vivi descobrir e me contar, narrarei em detalhes aqui no próximo episódio da série Guararapes...
O homem – agora totalmente vencido – assinou o termo, arranjou
um sorriso não se sabe de onde, apertou a mão de Marina e disse:
– É um prazer negociar com a senhora.
– O prazer é todo meu, Capitão. Espere pela minha volta.
Dali, Marina correu e se encontrou com sua providente
secretária, já no Santos Dumont com as malas. Pegou-as e partiu. Quando ia
atravessar o portão de embarque, ouviu um grito:
– Marina, espere!
(...)
E o resto que aconteceu você viu...
Mas quem disse que – depois das aventuras propriamente
passadas em Recife (você ainda vai saber) – a volta para o Rio constituiu
evento comum? Duvide disso... Digo mais: o feito da vez foi até mais difícil do que ultrapassar 64 pessoas numa fila! Aguarde o próximo episódio, digo... crônica!