Sあよなら
Você acha que eu
tenho "cara" de Paloma, Cíntia, Fabíola ou Sayonara? Os três primeiros estavam na
lista tríplice do meu futuro provável nome. Mas creio quase completamente que
você optará pela última alternativa, já que me conheceu com esse emblema. O que
talvez você não imagine (isso não vale para os cinéfilos!) é que devo o nome a
Marlon Brando.
Como? Explico-me: treze anos antes de eu nascer, um filme de Joshua Logan – baseado no livro homônimo de James Michiner – alcançou grande sucesso na telona mundial. Sayonara tornou-se um clássico do cinema americano. Vencedor de quatro Oscars, chegou a ser indicado para a premiação de 10 das estatuetas. E o mais interessante de tudo isso (o que, aliás, move esta lauda): o famoso filme que tinha Marlon Brando como herói romântico foi uma típica produção do Star System! Esse era um modelo-sistema de produção de astros de cinema capazes de cativar e fascinar os espectadores. Naquela época do cine glamour, principalmente, era comum que atores e atrizes caíssem fortemente no gosto do público e, como estrelas que eram, se transformassem em chamarizes para o sucesso de novas produções.
E os mentores industriais do cinema perceberam,
claramente, a grande potencialização de mercado que seria criar astros
passíveis de habitarem o ideário das pessoas. Pois bem: Marlon Brando é um
grande exemplo desse Star System,
plano artístico em que o mito e a sedução do cinema são como uma fábrica de
sonhos imaginários.
Pois
bem, mais uma vez... Anos se passaram, a moça conheceu um jovem afoito, e três
meses decorridos, quase se casaram. No entanto, ela não aceitou o primeiro
pedido:
— Com
essa pressa toda, o que irão pensar de mim, Jorge???
Mas
Jorge era insistente, e – três outros meses depois – uma noiva de vestido tubinho,
penteado 60mania, terço nas mãos, adentrava a Capela de Santo Antônio, ao som
do canto gregoriano das Filhas de Maria. A lua-de-mel teve uma curiosidade
que ainda conto aqui, e os meses seguintes – no mesmo ritmo de pressa do noivo
– estariam encarregados de trazer uma novidade em forma de bebê-menina.
Porém, no oitavo mês da minha corrida ao mundo, prestes eu a atravessar a finish line, a quase-mãe escutou um estampido e, mais veloz que a luz, um espectro passou bem rente à sua barriga, meu guardadouro, como se pôde ver pela bala que atingiu a parede naquela direção, no segundo seguinte!... Uma tremenda confusão no clube da esquina, em frente à residência do casal na Praça São Geraldo! Ímpeto de um new playboy desordeiro – num tempo todo-paz-e-amor – espocou numa bala que atravessou o jardim, a parede da varanda e a do quarto... e foi luzir bem diante de mim, ali debaixo da minha capa de pele!... Pois no instante imediatamente anterior, minha mãe falava do inesquecível filme e, sonhadora, se levantara da cadeira – num átimo! – pronunciando o nome Sayonara, dando o seu erguer a exata distância do balaço que, um segundo antes, teria acertado sua barriga: oito centímetros perfizeram a medida da minha primeira resistência!
Porém, no oitavo mês da minha corrida ao mundo, prestes eu a atravessar a finish line, a quase-mãe escutou um estampido e, mais veloz que a luz, um espectro passou bem rente à sua barriga, meu guardadouro, como se pôde ver pela bala que atingiu a parede naquela direção, no segundo seguinte!... Uma tremenda confusão no clube da esquina, em frente à residência do casal na Praça São Geraldo! Ímpeto de um new playboy desordeiro – num tempo todo-paz-e-amor – espocou numa bala que atravessou o jardim, a parede da varanda e a do quarto... e foi luzir bem diante de mim, ali debaixo da minha capa de pele!... Pois no instante imediatamente anterior, minha mãe falava do inesquecível filme e, sonhadora, se levantara da cadeira – num átimo! – pronunciando o nome Sayonara, dando o seu erguer a exata distância do balaço que, um segundo antes, teria acertado sua barriga: oito centímetros perfizeram a medida da minha primeira resistência!
Àquela
altura, contudo, mamãe não sabia que me daria o tal nome. Passaram-se mais
trinta dias de pacatice típica de uma cidade do interior, período em que a
futura-minha-mãe refez a lista tríplice para o sorteio de nomes, antes que
chegasse a terça-feira santa em que eu seria extraída a fórceps (alguém aí
aceita duelar comigo?!)...
Mas não
se assuste que, pouco tempo depois, irrompi num choro vibrante e pirracento –
como o de qualquer bebê normal –, passei pelo teste do pezinho e, em
seguida, fui para os braços da enfermeira que, em alguns segundos, furou
delicadamente as minhas orelhinhas para os brincos de água-marinha. Memórias suaves
essas do meu nascimento!...
E o
nome ainda se discutia: Paloma, Cíntia ou Fabíola??? Triplo dilema... que se
tornou quádruplo! À tal listinha de nomes – prática bastante adotada entre as
mãezinhas de gosto nominal multipolar da época –, foi acrescentado o nome
Sayonara. E a mãe até que titubeou ao colocá-lo no saquinho de veludo
azul-marinho antes de agitá-lo... Primeiro balouçar: saiu Sayonara. Mas a mãezinha teve dúvida e pensou que a segunda
retirada traria Paloma. Nada: esta não veio de segunda viagem. Voou! Aí a Lei
da Tríplice Teoria, que eu me autoaplicaria mais tarde, confirmou o indubitável:
SAYONARA sobrevivia (literalmente!), resiliente a agitações e rateios
triplamente sucessivos. Vez posterior: Cíntia não quis vir. Mas a minha mãe
temeu a improvável classe interjeitiva de palavras:
— Não;
é um bonito nome, meio musical, mas não é apropriado. É uma onda nova...
Quinta
tentativa: chamou Fabíola, mais pelo significado... Mas a menina-bebê parecia
querer ser mais personal do que um favo de mel.
E Fabíola não apareceu. Novo sorteio: SAYONARA. Mais outro, idem; ainda
novo rateio, ipsis litteris. Última
vez para a dúvida: SAYONARA. E fez-se o feito! Pensou a mãe:
Nocaute
do Star System: o que prevalece é a
emoção dos sentidos! E assim se nominou a SAYONARA, digo, eu!
E a
prova de como a sétima arte – com todo o seu fascínio – interfere nos processos
socioculturais aí está: depois de um sucesso do cinema com um sedutor Marlon
Brando a mocinhas suspirantes, uma interjeição oriental no Brasil se tornou
substantivo próprio. E tais (re)alocações fazem, mesmo, parte da dinâmica das
interações linguísticas. Um exemplo disso é termos também em outros idiomas um adjetivo como nome próprio. As classes gramaticais, ora, se
alternam, agrupam e intercambiam em formas e conteúdos versáteis... E o novo
modismo vocabular – Sayonara – disseminou-se não somente entre pessoas como
também entre empresas e afins. Mas principalmente surgiram bebês-meninas,
futuras moçoilas e mulheres que hoje somam centenas (ou milhares), como se pode
constatar no universo abarcador das redes sociais, por exemplo.
E as
herdeiras do Star System – e do sex appeal – do grande astro talvez
gostassem de ver por aí o eco de seu próprio chamamento designativo. Afinal,
por personalíssima que seja a pessoa, essa história de nomes “únicos”
(imagine-se eu, que também sou filha única!) pode ser algo meio solitário. E
também pode incitar a imaginação, como quando vim para o Rio e me tornei
hóspede de um tradicional hotel no Flamengo... Foi um episódio bastante engraçado: eu
ainda nem havia terminado de preencher a ficha, quando me foi dado um envelope
que trazia meu nome impresso. Pensei, com todos os meus botões imaginativos:
— Que
tremendo marketing eles têm! Ainda nem me instalei direito e não só sabem meu
nome como já o imprimiram num envelope exclusivo!
Ahahahah! Como sempre me dizem:
“imaginação de escritora”... Na verdade, meu leitor, o meu nome era o mesmo da
razão social do empreendimento: no plano oficial, aquele conhecido hotel ali
junto à Praia se inscreve como Rede de Hotéis Sayonara. Também na Itália há
pequenos resorts com o nome.
Mas o
que alguém com nome diferente gosta mesmo é de encontrar outras pessoas com tal
peculiaridade. E principalmente para quem, na infância, não brincou com uma
amiguinha do mesmo nome é algo sui
generis vivenciar as situações que passo a narrar (risos do narrador de
época)... Ambas se deram ao telefone. Uma delas foi protagonizada por um
recém-amigo, que falou:
— Ah, é
a Sayonara... que está indo para a Feira do Livro de Frankfurt?
Achei
um luxo ser confundida com alguém (risos de estreante). Mas tentei esclarecer:
— Eu...
E sem
que eu pudesse concluir a fala, ele continuou:
— Sim,
sim, a escritora Sayonara...
Aliviei-me:
— Ah,
sim...
E
insistiu meu interlocutor:
— Sei,
querida. Sayonara, escritora, que vai à Feira de Frankfurt e é casada com um poeta alemão!
Desta
vez disparei o gatilho:
—
Nããoo!... Você está me confundindo com outra Sayonara...
Então
nos entendemos com explicações mútuas. E eu lhe disse, como agora também a
você:
— Já
pensou o que seria: eu, com um nome japonês, um sobrenome italiano e ainda
ligada a um outro nome – alemão! Meu Deus! Isso seria um verdadeiro atentado à
integridade das Embaixadas! (risos internacionais)...
E a
outra vez nem vou narrar aqui e agora, não. Vou aproveitar a imersão causada
por esta crônica e fazer algo que já planejo há algum tempo: ligar para certa agência bancária do Arpoador, pedir para chamar a gerente e perguntar:
Por Sayonara Salvioli