As pessoas ficam felizes por diferentes motivos e nos mais variados lugares. E há não sei que motivo capaz de alegrar alguém simplesmente por estar em algum lugar. Já constatei isso, por diversas vezes, ao ver alguém abrindo um largo sorriso quando em certo lugar que muito o embevece. Há quem fique feliz em Miami, Dakar, Cairo, Machu Picchu, Recife, São Paulo, Lisboa, Londres ou Roma... Em Paris todo mundo fica feliz!... Lá e em outras cidades ou bairros do mundo, a mágica local parece tomar conta do visitante – ou habitante –, fazendo-o entrar em natural estado de graça por estar ali. É assim que fico feliz em Copacabana!...
Como muitos aficionados do bairro – e, mesmo, estudiosos em turismo, urbanismo e sociologia – sou daquelas pessoas que defendem a imagem genuína de Copacabana, sem as adições conotativas que, nos últimos anos, lhe imprimiram os ares de uma degradação cosmopolita, acentuadamente por causa da heterogeneidade nas ruas e do estigma da prostituição. É claro que Copa hoje não possui – com exceção de alguns aspectos – os mesmos ares de seus anos dourados, quando era o principal bairro carioca a oferecer inspiração para manifestações socioculturais de uma época. No entanto, seu polivalente acolhimento de tipos e contrastes humanos – em efervescência e progressão – dá conta de uma impressionante multiface contemporânea. Assim é que Copacabana – um microcosmo peculiar – abarca a um só tempo a soberania dos edifícios da Atlântica e a mescla social de ruas superlotadas. Copa guarda a tradição e adota a recriação popular, reveste a beleza e denuncia lacunas. Na metrópole Copacabana convivem todas as antíteses. De um modo geral, os recentes conglomerados e uma espetacularização consequente anuviaram sua antiga aura. Mas esta não se perdeu, por certo, e isto não é pensamento apenas de saudosistas. Há ainda – e em grande número – aqueles que dão à Copacabana genuína os louvores que a minicapital merece. Reitero que estou dentre essas pessoas.
Por sempre haver admirado a história, as belezas e as tradições do bairro, em 2000 fiquei muito feliz por travar contato profissional com uma editora cuja sede era em Copa. Quando cheguei ao Rio, foi para lá que o trabalho me levou: Rua Inhangá, o prédio típico de fachada de mármore, a calçada meio cheia, a alegria estampada nos rostos, nas cores e nos emblemas copacabanenses. Salas repletas de murais, papéis, revistas, pastas, livros e computadores, com aqueles monitores antigos, ainda bojudos, diferentes das nossas telas finas de agora. Na copa, o cheiro de café fresco – que eu não tomava, diga-se de passagem. Atrás da grande mesa, meu amigo Carlos Roberto. Lá estava ele, com seu sorriso embaixo do espesso bigode, a voz grave, o jeito elegante e o idealismo dos grandes projetos. Encontrei-o a me esperar com a mesa abarrotada de nobilíssimos livros de arte. Íamos fazer um livro comemorativo. Depois, pesquisas, idas constantes à biblioteca com bombons para adoçar Maria, a bibliotecária sisuda. Entrevistas, visitas a centros de documentação e departamentos de iconografia. A rotina era movimentada, tarefas e temas fascinantes, porém trabalhosos. Saindo dos arquivos, depois de horas de detida sondagem histórico-literário-cultural, eu caminhava pela calçada portando os meus “tesouros do dia”: canudos de cartografia, slides, papéis e volumes raros, a movimentarem-se desajeitamente em minhas mãos desastradas, estas em árdua tentativa de se soltarem e elevarem no ar para chamar um táxi... O destino era sempre a volta ao prédio da Inhangá, para continuidade e conclusão da missão.
O tempo, veloz, correu. Alguns bons anos se passaram e as rotas de trabalho alcançaram outros endereços, outros objetos. Mas o bairro, além da acolhida da água azul, da areia fofa e dos passeios pelo calçadão – com direito a uma parada para água de coco! – é também um dos lugares do Rio que eu mais frequento como boa gourmet... Copacabana, hoje, é usual destino de horas felizes de lazer, passadas em longos almoços em alguns dos vários restaurantes prediletos da orla. Não vou aqui fazer merchandising (basta no texto do gordo da banca da esquina... tsc tsc), mas o fato é que tenho por lá diversos points nos quais acabo por me nutrir de algo mais: a magia de Copacabana... impressa no ar, nos transeuntes, na vista cristalina e deslumbrante do mar que toma meus olhos! Duvido que algum dia eu não me sinta feliz lá. E a desculpa de um bom almoço concentra a possibilidade de belas reflexões diante do mirante azul. Converso, demoro horas no couvert, enrolo horrores para fazer o pedido... Enquanto isso, olho para a imensa banheira do mar, ao longe, reflito e sorrio. Depois, falo um pouco mais (pelos cotovelos, na verdade) e dou aquelas minhas célebres e demoradas gargalhadas, que se alongam na minha alegria descontraída em levar a vida!... Após sair dali, acredite: sou capaz de voltar ao meu computador e produzir, com autêntico frenesi, as dezenas e dezenas, c-e-n-t-e-n-a-s de páginas que o dever me pedir!
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Quem gosta de mim e convive comigo sabe que vai estar, muitas vezes, ao meu lado em Copacabana. Copa, para facilitar. O nome, embora charmoso e evocativo, é muito grande. Foi mesmo providencial e prático quem inventou esse recurso, tão difundido e usado por aqueles que têm a rotina emprestada a seus recantos. Para estes, Copa é algo bem carinhoso e familiar; mais que um chamamento, reflete um estilo, uma aderência, uma magia e um encantamento próprios, desses que só sabe quem os vive. E, se isto se dá na rotina, imagine, então, leitor, o que não é a Copa do Réveillon, espetáculo grandioso que encanta turistas e locais com o reluzir da esperança em combustão colorida no céu! Por isso e muito mais é que passo o réveillon em Copacabana.
Já há alguns anos elegi essa predileção e, no início de dezembro, faço as minhas reservas no restaurante da vez (com a devida antecedência), de onde avistarei um novo ano chegar, com os fogos e a alegria da alma de Copacabana! Isso, Copa tem alma, verdadeira alma! O bairro tem impresso na Atlântica, no calçadão-mosaico das ondas do mar, no Forte e nas ruas vestidas de alegres e alternadas gentes – em confluência – a identidade de uma alma local, muito própria e bem definida. Sem contar que Copacabana (em quechua, seria lugar luminoso ou praia azul; em amairá, vista do lago), por seus singulares recursos naturais, possuirá sempre a prerrogativa do belo, essa característica natural que torna dada paisagem sedutoramente única, inebriante. Falando nisso, me lembrei da empolgação expressa nas palavras do atual cônsul de um país da América Central no Brasil, o qual conheci o mês passado e que, numa festa, falava com grande encantamento dessa mesma Copacabana que, ora, centraliza a nossa lauda eletrônica. Foi impressionante o modo como ele falou de todo esse quê do bairro, que aqui chamo de alma de Copacabana. Creio mesmo que essa atratividade despertada pelo lugar em quem nele chega, seja brasileiro ou não, explique a fama de um dos cartões postais mas difundidos do mundo.
E o nosso objeto, especificamente, nesta época do ano – novo calendário batendo às portas – é justamente lembrar a magia da virada, com todas as evocações que nos causam o tempo e a ordem humana dos acontecimentos. Na contagem regressiva para 2009, olhei para os céus de Copacabana – em sua fúria colorida –, o mar abarcador e festivo, os olhos iluminados das pessoas, os sorrisos espocando com os champagnes, nossas taças tilintando... e, praticamente, vi o novo tempo chegando, com todas as dádivas de suas promessas! Preconizei o próximo sol e a felicidade nova que se avizinham com os desígnios cronológicos de uma pitonisa!...
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Fogos de artifício existem há várias centenas de anos. Foram criados pelos chineses, difundindo-se primeiro pelo Oriente, onde se acredita até hoje que eles afastam os maus espíritos. Com o passar do tempo, a técnica e os recursos foram disseminados mundo afora, tornando-se seu uso ampliado e quantificado, em toda parte. Mas a fascinação causada pelos bons espetáculos pirotécnicos é como o espírito de ano novo: renova-se a cada vez! Há mesmo uma mágica na coisa. E, certamente, a queima de fogos mais espetacular do Brasil é a que acontece na também mais famosa praia brasileira – um dos maiores destinos turísticos internacionais.
A comemoração do Réveillon de Copacabana passou a fazer parte do calendário do Rio de Janeiro desde os idos de 1970. Na ocasião, o Hotel Le Meridien promoveu uma extraordinária queima de fogos, cujo desenho iluminado decaía do topo do edifício em forma de cascata... Com a sensação causada, a partir da década de 80, toda a hotelaria e os restaurantes da orla aderiram à iniciativa. Pouco tempo depois, a incumbência passou à Prefeitura da cidade. E foi assim que o mundialmente conhecido Réveillon de Copacabana se transformou em um evento grandioso, que recebe a cada ano mais de 2 milhões de pessoas – dentre estas, moradores e turistas, nacionais e internacionais. Todos juntos, em poderosíssima energia coletiva, tornam o espetáculo uma experiência inesquecível! Só mesmo quem não viu para não compreender. Quem fala que ver pela TV é a mesma coisa, certamente, não sabe o que está dizendo. Já vi diversos espetáculos pirotécnicos, em diferentes lugares e situações, mas o encantamento causado pelo Réveillon de Copacabana é algo único! Aquela longa orla – de mais de quatro quilômetros, apinhada de rostos extasiados e esperançosos, sob a chuva abundante (este ano foram 21 minutos!) de luminosos efeitos estelares –realmente compõe um quadro estrondoso de fascinação!... Ante aquela peculiar curva da praia, em sua profundidade e generosidade, parece que o horizonte, o mar e as estrelas estão a nos abarcar!... Enfim, o momento é uma espécie de bênção regada a champagne e água salgada, num esplendor sem igual.
Adicione-se a tudo isso aquela dose gigantesca de magia interna, que nos acomete a cada passagem de ano... As lembranças do que passamos, os novos desafios que nos impomos, as mudanças que nos prometemos, as expectativas que nos fazem viver!... E é todo esse acúmulo de energia e poder concentrados que desejo para você em 2009. Ainda mais: que você tenha um ano tão rico e abundante como a alma perene de Copacabana!
Por Sayonara Salvioli
P.S. 1: Os créditos das fotos pertencem, na ordem em que aqui se inserem, respectivamente, a L. D. Gordon, José Fuste Raga, Keren Su, Elan Fleisher, David Frazier, Neil Emmer / Robert Harding, Richard Novitz, Elan Fleisher, J. Zucherman, Raquel Salomão, Raquel Salomão.
P.S. 2: Para ilustrar um pouco mais o post, adiciono abaixo um vídeo - de Léo Ladeira - mostrando imagens e faces do bairro em variadas épocas. Veja: